Por que desemprego (muito) baixo não fez disparar inflação de serviços
A inflação de serviços no País, a despeito de flutuações recentes, tem se mantido abaixo dos níveis que poderiam ser esperados diante do comportamento histórico do mercado de trabalho neste ano, com recordes de alta para o número de pessoas ocupadas, para o rendimento médio real e ainda para a massa salarial – e a mais baixa taxa de desemprego desde que a atual versão da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNADC) começou a ser divulgada, ainda em 2012 (O Hoje, 1º.11.2025). Na série estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa inflacionária no setor de serviços atingiu 6,14% nos 12 meses terminados em setembro deste ano, acima dos 4,78% registrados em 2024, mas ligeiramente inferior às taxas de 6,22% e de 6,50% alcançadas respectivamente em 2023 e em 2016 – e distante das taxas superiores a 8,70% que marcaram 2012 e 2013.
A edição de outubro da Carta do Ibre, publicada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e assinada pelo economista e diretor do instituto Luiz Guilherme Schymura, mostra que fatores mais duradouros, como o envelhecimento da população e o avanço dos níveis de instrução da população ao longo de menos de uma década, têm contribuído para alterar de forma estrutural a taxa de desemprego, o que explicaria o comportamento mais comedido da inflação, especialmente no setor de serviços.
Dados os números do mercado de trabalho, com o desemprego flutuando entre 5,8% e 5,6% no segundo e no terceiro trimestres deste ano, diante de 6,4% um ano antes, pondera Schymura, “é certa surpresa, portanto, que a inflação não se encontre mais pressionada do que de fato está no presente momento. Embora elevada, e bastante acima da meta, a inflação de serviços não está subindo de forma contundente, o que seria de se esperar num mercado de trabalho extremamente pressionado”.
Desemprego “neutro”
A Carta do Ibre do mês passado toma como base trabalhos, ponderações e análises com foco no mercado de trabalho, conduzidos pelos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho, Paulo Peruchetti, Janaína Feijó e Daniel Duque, todos pesquisadores do Ibre/FGV, devidamente consolidados pelo diretor do instituto. Na avaliação de Schymura, uma combinação de fatores principalmente etários e educacionais poderia “estar reduzindo de forma estrutural a taxa de desemprego no Brasil. Nesse caso, como explica Barbosa Filho, a queda do desemprego não necessariamente traz pressão inflacionária”. Para complicar um pouco mais a linguagem, o diretor do Ibre/FGV acrescenta que aqueles “fatores estruturais fazem com que caia a taxa neutra de desemprego (a que não cria pressões nem inflacionárias nem desinflacionárias)”. Vale dizer, não disparam altas de preços pelas empresas, assim como não estimulam queda nos preços.
Balanço
A análise concentra-se nos impactos da demografia e dos avanços na educação sobre o mercado de trabalho, decorrentes de redução proporcional da participação dos mais jovens na população total em idade de trabalhar (14 anos ou mais) e de um incremento na fatia ocupada por aqueles trabalhadores com níveis de instrução mais elevada entre o primeiro trimestre de 2016 e o segundo trimestre deste ano.
A participação de jovens entre 14 e 17 anos na população em idade de trabalhar foi reduzida de 8,3% em 2016 para 6,8% neste ano, enquanto aqueles com mais de 60 anos passaram a representar 20,2% daquele contingente, frente a 16,1% há nove anos. Considerando o mesmo intervalo, os trabalhadores em instrução, com fundamental incompleto ou completo e ensino médio incompleto correspondiam a 55% da população em idade ativa, reduzindo esse percentual para 44,2%.
Ao mesmo tempo, trabalhadores com ensino médio completo e superior incompleto e completo elevaram sua participação na população em idade ativa de 45% para 55,8%, indicando uma robusta mudança na qualificação daqueles trabalhadores.
Para tentar estabelecer como essas mudanças têm afetado o mercado de trabalho, a equipe do Ibre/FGV realizou “exercícios contrafactuais” que tentam avaliar como o setor teria se comportado caso fossem mantidos até hoje os mesmos indicadores demográficos e educacionais observados em 2016. “Os exercícios indicam que, ao se controlar os efeitos decorrentes da evolução do binômio educação-demografia, o mercado de trabalho apresentaria desempenho substancialmente mais modesto”, observa Schymura.
De forma mais específica, prossegue o diretor do Ibre/FGV, “a taxa de desemprego seria mais elevada, enquanto a taxa de participação [a relação entre o número de pessoas na força de trabalho, que corresponde à soma de ocupados e desocupados, em relação à população em idade ativa, com 14 anos ou mais] e o nível de ocupação [relação entre população ocupada e população com 14 anos ou mais] seriam inferiores, sinalizando menor dinamismo em termos de quantidade de postos de trabalho”.
Na combinação dos dois fatores, mantidos os mesmos níveis de educação e o mesmo perfil demográfico registrado em 2016, aqueles exercícios sugerem que a taxa de desemprego tenderia a ser elevada de 5,8% para 6,5% no segundo trimestre deste ano, numa elevação de 0,7 pontos percentuais. Schymura faz questão de anotar, seguindo observações de Barbosa Filho, que as conclusões não anulam o fato real e concreto de vigoroso crescimento do mercado de trabalho, principalmente nos últimos dois anos.
Parte da explicação está no fato de a taxa de desemprego alcançar níveis muito mais elevados entre mais jovens e menos instruídos. Portanto, mantida uma participação relativamente mais alta para aqueles contingentes, a taxa de desocupação necessariamente seria mais elevada. Num exemplo, o desemprego entre pessoas com 14 a 17 anos havia alcançado 21,7% no segundo trimestre deste ano, frente a apenas 2,3% para pessoas com 60 anos ou mais.
O efeito sobre os rendimentos seria uma redução na taxa de crescimento, que tem se mantido ao redor de 4% ao ano, fazendo com que os níveis atuais fossem similares àqueles observados há cinco anos. Além disso, acrescenta Schymura, o rendimento teria crescido 1,4% entre o final de 2019 e o segundo trimestre deste ano, inferior ao avanço da produtividade do trabalho, que avançou 2,5%. Um cenário assim “sugere que as pressões exercidas pelo mercado de trabalho sobre a economia são inferiores às captadas pelos números oficiais” e “contribui para explicar por que a pressão do mercado de trabalho na economia não é tão elevada como se supõe”.