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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Não haverá Floresta Amazônica sem o Cerrado, alertam cientistas

Lauro Veiga Filhopor Lauro Veiga Filho em 11 de novembro de 2025
Cerrado
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Se pretende assumir papel de protagonista global no processo de transição rumo a um modelo de desenvolvimento mais sustentável e inclusivo, o Brasil terá que colocar sob um mesmo guarda-chuva a Amazônia e o Cerrado, criando novos formatos de políticas públicas que contemplem simultaneamente a preservação dos dois biomas e de toda sua riquíssima biodiversidade, até aqui pouco explorada como solução para construir uma nova economia. “A janela política e tecnológica para o Brasil liderar um novo modelo de desenvolvimento está aberta, mas isso exige abandonar a fronteira rígida que trata o Cerrado como território sacrificável para ‘salvar’ a Amazônia”, alerta um grupo de cientistas em recente artigo publicado pelo portal The Conversation Brasil, plataforma de colaboração entre acadêmicos e jornalistas para a produção de notícias e análises baseadas em pesquisas e fatos.

Liderado pela reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Angelita Pereira de Lima, também professora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos da UFG, o grupo inclui ainda Laerte Guimarães Ferreira, doutor em ciência do solo e professor na mesma universidade; o doutor em ecologia pela Universidade de São Paulo (USP), Mário Barroso, sênior advisor na The Nature Conservancy (TNC); Paulo De Marco Júnior, professor adjunto na UFG e doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e o geógrafo Pedro da Costa Novaes, mestre em ciência ambiental pela USP e doutorando em ciências ambientais pela UFG.

Instituto Nacional do Cerrado
A proposta defendida pelo grupo e endereçada especialmente ao governo federal no dia mesmo em que a Conferência das Partes para o Meio Ambiente das Nações Unidas (COP) abria sua 30ª edição, em Belém (PA), sugere objetivamente transformar a COP30 numa “conferência Amazônia–Cerrado” e a criação do Instituto Nacional do Cerrado (INC), com a missão de “articular ciência, inovação e políticas públicas” voltados para o bioma – “nos moldes dos outros institutos de pesquisas” atualmente instalados na região amazônica, a exemplo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem) e do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO). “Temos pesquisa e conhecimento de ponta no Cerrado, mas eles não contam ainda com uma instituição de pesquisa de referência, diferentemente de outros biomas”, acrescentam os cientistas.

Balanço
Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o futuro INC deverá ganhar o formato de uma organização social, com “estrutura enxuta e flexível”, e ao mesmo tempo “ambiciosa”, para “articular conhecimento e orientar a inovação, subsidiando políticas públicas e atuando como um verdadeiro porta-voz do bioma”. Neste momento, relata o grupo de especialistas, universidades e instituições de pesquisas sobre o bioma já se mobilizam em defesa do novo instituto, num movimento que “levou à criação de um comitê científico de assessoramento na Universidade de Brasília”.

Num cenário de instabilidades geopolíticas e de mudanças no clima, num ritmo aliás mais acelerado do que projetavam os modelos climáticos, a transição energética ganha urgência ainda maior, abrindo “uma janela de grandes incertezas”, acirradas pela perspectiva de um “salto tecnológico” com o desenvolvimento em larga escala de sistemas baseados em inteligência artificial. Ao mesmo tempo, abre-se a oportunidade política para o Brasil liderar a transição rumo a modelos de crescimento mais justos, inclusivos e ambientalmente sustentáveis.

Para que tanto a liderança antevista pelo grupo de cientistas quanto a transição se consolidem como realidade, o País mandatoriamente terá que reconhecer o que aqueles mesmos especialistas apontam como óbvio, mas até aqui esquecido: “sem Cerrado, não há Amazônia; sem Amazônia e Cerrado integrados, não haverá liderança climática brasileira”.

O passo imediato exigirá o abandono das fronteiras, definidas de forma rígida pela política, que transformam o Cerrado em “território sacrificável” a pretexto de “salvar” a Amazônia. As áreas de Cerrado atualmente, segundo dados da plataforma MapBiomas, mantêm pouco mais da metade de sua vegetação original. Adicionalmente, apenas 8% do bioma estão protegidos em unidades de conservação, o que não parece muito quando se considera que o desmatamento, embora em queda no ano passado, tenha alcançado 652 mil hectares – um dos maiores índices entre todos os biomas, reforçando o cenário ameaçador para o Cerrado.

“Em vez de corrermos o risco de uma conferência ‘sobre a Amazônia’, é preciso um olhar integrado Amazônia–Cerrado. Que permita discutir uma agenda nacional de pastagens, atrelada a crédito e indicadores de carbono no solo, pagamento por serviços ambientais em escala e debates sobre mecanismos de governança Amazônia–Cerrado. Tudo isso com assentos para a ciência, o setor produtivo e, de forma qualificada, os povos indígenas e comunidades tradicionais. Não como figurantes, mas como coprodutores de soluções”, defendem os cientistas.

Envolver os donos de terras nesse processo, como parceiros, seria um ponto estratégico, na visão daqueles especialistas, principalmente se o objetivo relevante for de fato conservar a biodiversidade e promover seu uso sustentável. Mesmo porque, acrescentam eles, enquanto se discute “se a manutenção e recuperação das reservas legais devem onerar ou não o produtor rural, o Cerrado segue desaparecendo em ritmo veloz”.

Nesta linha, o grupo de cientistas entende que serão necessários instrumentos legais para estabelecer “um ambiente econômico favorável à sustentabilidade”. A aprovação da Lei nº 15.042/2024, criando o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, caminha na direção desejada. Os especialistas mencionam ainda o Programa Cerrado em Pé, criado em 2024 pelo Estado de Goiás, prevendo remuneração de R$ 664 por hectare para áreas excedentes de reserva legal preservadas ou recuperadas em propriedades rurais.

Essas estratégias, embora positivas, demandam monitoramento e avaliação “para que as evidências de seu sucesso contaminem o ambiente econômico como um todo”, oferecendo novas formas de uso do Cerrado. Aqui, o Instituto Nacional do Cerrado poderia assumir papel essencial de “avaliação científica coerente”, gerando “as melhores informações para formuladores de políticas no setor público, assim como para orientar a tomada de decisões no setor privado”.

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