Goiás em alerta com alta da sífilis em gestantes e casos congênitos
Entre 2020 e 2024, 15.219 grávidas foram diagnosticadas com a doença no Estado, com maior concentração na macrorregião Centro-Oeste
Novos dados do boletim epidemiológico estadual revelam que Goiás enfrenta um cenário preocupante para a sífilis, com crescimento contínuo nos casos entre gestantes e na incidência de sífilis congênita. Entre 2020 e 2024, o Estado registrou 15.219 gestantes infectadas, com maior concentração na macrorregião Centro-Oeste.
O aumento evidencia que, apesar dos avanços no diagnóstico, ainda há falhas significativas no pré-natal, na testagem repetida e no tratamento adequado, o que resulta na transmissão vertical da doença.
A sífilis em gestantes e a sífilis congênita são agravos de notificação compulsória. Na gestação, a doença pode provocar complicações graves, incluindo abortamento, parto prematuro, natimortalidade, manifestações congênitas precoces ou tardias e até morte neonatal.
Estudos indicam que a taxa de transmissão vertical pode chegar a 80% intra útero, sendo que a infecção fetal depende do estágio da doença na mãe — os riscos são maiores nos estágios primário e secundário. Além disso, a transmissão pode ocorrer durante o parto vaginal se a mãe apresentar lesões ativas.
Fatores que impulsionam a transmissão vertical
Segundo a coordenadora de Vigilância das Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretária de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), Luciene Tavares, “o aumento da sífilis é uma tendência associada a vários fatores, dentre eles a ampliação da testagem, vulnerabilidades sociais, uso irregular de preservativos e dificuldade de acesso e adesão ao tratamento. A transmissão vertical também gira em torno de diferentes fatores, estruturais, assistenciais e sociais”.
Tavares destaca que o boletim de 2025 evidenciou três falhas principais: “diagnóstico tardio e falhas no pré-natal; tratamento inadequado ou incompleto; fragilidades na atenção primária, como insuficiência de profissionais; além de barreiras sociais e culturais, como baixa percepção do risco e condições socioeconômicas precárias. As falhas estão nas três etapas: diagnóstico, classificação da doença e tratamento, reforçando a importância do pré-natal bem feito durante toda a gestação”.
O impacto da sífilis na saúde pública é significativo, segundo Tavares: “a doença aumenta a carga sobre o sistema, gera internações prolongadas e sobrecarga da rede de atenção primária e especializada. As consequências sociais a longo prazo são graves: crianças com sífilis podem ter comprometimento neurológico, sequelas auditivas, oftalmológicas e ósseas”.
Diagnóstico , tratamento e prevenção
O acompanhamento pré-natal adequado é fundamental para prevenir complicações. Especialistas recomendam que a gestante realize testes para sífilis em três momentos estratégicos: no primeiro trimestre, no terceiro trimestre e no momento do parto ou em casos de aborto.
A doença é dividida em estágios, que orientam o tratamento: sífilis recente (primária, secundária e latente recente, até um ano) e sífilis tardia (latente tardia e terciária, mais de um ano). Cada estágio apresenta sinais e sintomas específicos, desde a ferida indolor característica da sífilis primária até as manifestações graves da sífilis terciária, que podem afetar pele, ossos, sistema cardiovascular e sistema nervoso.
O diagnóstico depende da análise clínica, testes laboratoriais e histórico de exposição da paciente. Nas fases sintomáticas, exames diretos podem confirmar a infecção; nas fases latentes, testes imunológicos permitem a detecção mesmo sem sintomas.
O tratamento durante a gestação deve ser imediato e completo, utilizando benzilpenicilina benzatina, o único medicamento eficaz na prevenção da transmissão para o feto. O tratamento precisa ser iniciado pelo menos 30 dias antes do parto, com doses corretamente aplicadas. É essencial tratar os parceiros para evitar a reinfecção da gestante.
O obstetra Diego Rezende explica que “o aumento expressivo nos casos está ligado ao diagnóstico tardio, tratamento inadequado ou reinfecção da gestante por parceiros não tratados. Muitas mulheres enfrentam dificuldades de acesso ao pré-natal, não realizam exames de controle ou desconhecem a importância do tratamento completo”.
Segundo ele, “a transmissão é especialmente perigosa nos três primeiros meses de gestação, quando a bactéria se multiplica rapidamente e a mãe geralmente está na fase ativa da doença”.
Distribuição epidemiológica e perfil das gestantes com sífilis

O boletim revela que os maiores índices de sífilis em gestantes ocorrem em grandes centros urbanos e municípios com Serviço de Atendimento Especializado (SAE), enquanto os “municípios silenciosos”, de menor porte, provavelmente apresentam subnotificação. Entre 2020 e junho de 2025, 30% dos casos concentraram-se na macrorregião Centro-Oeste, seguida pelas regiões Centro-Sudoeste e Nordeste, representando quase 45% do total de casos.
A distribuição por idade mostra que a maioria das gestantes infectadas tinha entre 20 e 29 anos (59%), enquanto adolescentes de 15 a 19 anos representaram 21% das notificações. Quanto à raça, 70,7% eram pardas, 15,8% brancas e 8,7% pretas, totalizando 86,5% de mulheres negras ou pardas. A escolaridade também influencia a vulnerabilidade: a maioria das gestantes tinha ensino fundamental ou era analfabeto, limitando o acesso à informação e ao cuidado adequado.
O aumento nos casos de formas latentes e primárias indica melhor detecção precoce, mas a persistência de registros incompletos evidencia falhas no sistema de notificação. Apesar dos esforços para ampliar a cobertura do tratamento, apenas 71,2% das gestantes receberam pelo menos uma dose adequada de benzilpenicilina em 2024, abaixo da meta de 95% para eliminação da transmissão vertical.
Nos recém-nascidos, a sífilis congênita pode se manifestar por manchas na pele, icterícia, anemia, alterações nas narinas, aumento de órgãos internos e dificuldades de ganho de peso. No entanto, muitos bebês nascem sem sinais aparentes, reforçando a importância da triagem sorológica, mesmo quando a gestante recebe tratamento.
O panorama apresentado em Goiás evidencia que o controle da sífilis enfrenta desafios significativos, incluindo dificuldades de acesso ao pré-natal, tratamento inadequado, falhas na repetição de exames e subnotificação. A integração entre atenção primária, vigilância epidemiológica e políticas educativas é fundamental para reduzir a transmissão vertical e proteger a saúde de gestantes e bebês.
A prevenção depende do pré-natal de qualidade, acompanhamento contínuo e educação em saúde, incluindo orientação sobre o uso de preservativos. A realização de testes repetidos, tratamento adequado da gestante e do parceiro e controle de cura pós-tratamento são essenciais para interromper a transmissão.
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