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domingo, 14 de dezembro de 2025
privatização

Paço planeja vender metade da Comurg; proposta é recebida com preocupação

Com passivo milionário e serviços pressionados por falhas históricas, Comurg entra em novo ciclo de reestruturação, marcado por mecanização acelerada, IA e busca urgente por investidores privados

Anna Salgadopor Anna Salgado em 25 de novembro de 2025
comurg
Novas máquinas de corte de grama fazem parte do plano de mecanização para tentar reduzir custos e ampliar a produtividade da Comurg | Foto: Paulo José

O futuro da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) está no centro de um plano de intervenção radical proposto pelo prefeito Sandro Mabel (UB), que classificou o custo atual da estatal como “insustentável”. O projeto prevê cortes drásticos de gastos e a abertura do capital a investidores privados, mas especialistas alertam que a medida pode comprometer serviços essenciais à população e gerar impactos sociais preocupantes.

Com gastos mensais de R$ 50 milhões, Mabel planeja reduzir esse valor à metade. A urgência em equilibrar as contas faz parte de sua estratégia para lidar com um déficit de R$ 1,6 bilhão. O prefeito diz garantir que, embora o primeiro ano de gestão seja difícil, o objetivo é ter “pelo menos R$ 1 bilhão para fazer investimentos” no segundo ano, resultado que depende integralmente do enxugamento da máquina pública. Críticos questionam se reduzir custos sem afetar a operação é viável e alertam para o risco de queda na qualidade dos serviços de limpeza e manutenção urbana.

 

Regularização de dívidas federais

A proposta de atrair sócios privados, com a manutenção de 51% das ações nas mãos do Paço, depende da regularização das dívidas federais. A Comurg acumula débitos históricos com INSS, Receita Federal e FGTS, o que impossibilita a emissão de certidões negativas e dificulta investimentos externos. Especialistas afirmam que a prioridade fiscal parece sobrepor-se à eficiência operacional e que colocar foco na abertura de capital antes de garantir estabilidade interna pode ser prematuro e arriscado.

Enquanto busca faturar entre 5% e 10% do orçamento anual com clientes externos, Mabel admite que a falta de certidões atrasa qualquer expansão: “Nós estamos trabalhando com isso, só que não temos certidão”. Analistas alertam que o cenário revela dependência de fatores fora do controle da gestão, o que torna a estratégia de privatização incerta.

O prefeito aposta na mecanização de serviços e na adoção de tecnologia, o que inclui 80 máquinas compactas para corte de grama e monitoramento por inteligência artificial. Apesar do discurso de inovação, especialistas alertam que substituir trabalhadores por máquinas pode gerar conflitos com sindicatos e reduzir empregos, enquanto a eficácia das ferramentas depende de treinamento, manutenção e integração aos processos existentes.


Modernização com inclusão dos servidores

Melquisedeque Sousa, presidente do Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Pública e Ambiental, Coleta de Lixo e Similares do Estado de Goiás (Seacons), destacou que a modernização é bem-vinda, desde que os trabalhadores sejam preparados para executá-la com a maior qualidade possível. Segundo Sousa, não há problema com a privatização parcial, contanto que a maior parte da Comurg permaneça sob controle da prefeitura para garantir a segurança trabalhista e a manutenção da qualidade dos serviços.

A professora de Economia Adriana Pereira de Sousa, da UEG, pondera que a modernização da Comurg é necessária, mas exige cautela. A economista explica que atrair investidores com passivos elevados é tecnicamente possível, mas arriscado: a falta de certidões negativas reduz o valor da empresa e aumenta o custo do capital, o que pode resultar em acordos desvantajosos para o município. 

Sobre a venda de até 49% da Comurg, a professora alerta que investidores podem se afastar se perceberem ingerência política, rotatividade de gestores ou governança frágil. Para Adriana, o sucesso depende de conselho deliberativo profissionalizado, regras claras de autonomia técnica e contratos de gestão com metas bem definidas.


Risco de ineficiência

A economista destaca ainda que a mecanização e o uso de inteligência artificial tendem a gerar economia apenas no médio e longo prazos. No curto prazo, exigem investimento elevado em máquinas, treinamento, manutenção e ajustes logísticos. Adriana defende que a combinação entre modernização tecnológica e capital privado só faz sentido se houver governança sólida, planejamento estratégico claro e resolução de parte do passivo antes de atrair investidores. Sem essas medidas, qualquer mudança corre o risco de ser ineficiente, o que aumentaria custos e comprometeria serviços essenciais à população.

Já o economista Luiz Carlos Ongaratto reconhece que a modernização é importante, mas pondera que “a tecnologia atualmente utilizada está obsoleta” e que a transformação exigirá tempo, recursos e ajustes operacionais. Ongaratto lembra que a busca por investidores externos só terá sucesso se a companhia comprovar rentabilidade, o que, segundo críticos, ainda é incerto diante do histórico financeiro problemático da Comurg.

A reportagem contatou a Comurg e a Prefeitura de Goiânia. A companhia afirmou que as informações sobre uma possível privatização ou venda de ações da Comurg devem ser tratadas diretamente com o Paço, que não respondeu os questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição.

 

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