Paço planeja vender metade da Comurg; proposta é recebida com preocupação
Com passivo milionário e serviços pressionados por falhas históricas, Comurg entra em novo ciclo de reestruturação, marcado por mecanização acelerada, IA e busca urgente por investidores privados
O futuro da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) está no centro de um plano de intervenção radical proposto pelo prefeito Sandro Mabel (UB), que classificou o custo atual da estatal como “insustentável”. O projeto prevê cortes drásticos de gastos e a abertura do capital a investidores privados, mas especialistas alertam que a medida pode comprometer serviços essenciais à população e gerar impactos sociais preocupantes.
Com gastos mensais de R$ 50 milhões, Mabel planeja reduzir esse valor à metade. A urgência em equilibrar as contas faz parte de sua estratégia para lidar com um déficit de R$ 1,6 bilhão. O prefeito diz garantir que, embora o primeiro ano de gestão seja difícil, o objetivo é ter “pelo menos R$ 1 bilhão para fazer investimentos” no segundo ano, resultado que depende integralmente do enxugamento da máquina pública. Críticos questionam se reduzir custos sem afetar a operação é viável e alertam para o risco de queda na qualidade dos serviços de limpeza e manutenção urbana.
Regularização de dívidas federais
A proposta de atrair sócios privados, com a manutenção de 51% das ações nas mãos do Paço, depende da regularização das dívidas federais. A Comurg acumula débitos históricos com INSS, Receita Federal e FGTS, o que impossibilita a emissão de certidões negativas e dificulta investimentos externos. Especialistas afirmam que a prioridade fiscal parece sobrepor-se à eficiência operacional e que colocar foco na abertura de capital antes de garantir estabilidade interna pode ser prematuro e arriscado.
Enquanto busca faturar entre 5% e 10% do orçamento anual com clientes externos, Mabel admite que a falta de certidões atrasa qualquer expansão: “Nós estamos trabalhando com isso, só que não temos certidão”. Analistas alertam que o cenário revela dependência de fatores fora do controle da gestão, o que torna a estratégia de privatização incerta.
O prefeito aposta na mecanização de serviços e na adoção de tecnologia, o que inclui 80 máquinas compactas para corte de grama e monitoramento por inteligência artificial. Apesar do discurso de inovação, especialistas alertam que substituir trabalhadores por máquinas pode gerar conflitos com sindicatos e reduzir empregos, enquanto a eficácia das ferramentas depende de treinamento, manutenção e integração aos processos existentes.
Modernização com inclusão dos servidores
Melquisedeque Sousa, presidente do Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Pública e Ambiental, Coleta de Lixo e Similares do Estado de Goiás (Seacons), destacou que a modernização é bem-vinda, desde que os trabalhadores sejam preparados para executá-la com a maior qualidade possível. Segundo Sousa, não há problema com a privatização parcial, contanto que a maior parte da Comurg permaneça sob controle da prefeitura para garantir a segurança trabalhista e a manutenção da qualidade dos serviços.
A professora de Economia Adriana Pereira de Sousa, da UEG, pondera que a modernização da Comurg é necessária, mas exige cautela. A economista explica que atrair investidores com passivos elevados é tecnicamente possível, mas arriscado: a falta de certidões negativas reduz o valor da empresa e aumenta o custo do capital, o que pode resultar em acordos desvantajosos para o município.
Sobre a venda de até 49% da Comurg, a professora alerta que investidores podem se afastar se perceberem ingerência política, rotatividade de gestores ou governança frágil. Para Adriana, o sucesso depende de conselho deliberativo profissionalizado, regras claras de autonomia técnica e contratos de gestão com metas bem definidas.
Risco de ineficiência
A economista destaca ainda que a mecanização e o uso de inteligência artificial tendem a gerar economia apenas no médio e longo prazos. No curto prazo, exigem investimento elevado em máquinas, treinamento, manutenção e ajustes logísticos. Adriana defende que a combinação entre modernização tecnológica e capital privado só faz sentido se houver governança sólida, planejamento estratégico claro e resolução de parte do passivo antes de atrair investidores. Sem essas medidas, qualquer mudança corre o risco de ser ineficiente, o que aumentaria custos e comprometeria serviços essenciais à população.
Já o economista Luiz Carlos Ongaratto reconhece que a modernização é importante, mas pondera que “a tecnologia atualmente utilizada está obsoleta” e que a transformação exigirá tempo, recursos e ajustes operacionais. Ongaratto lembra que a busca por investidores externos só terá sucesso se a companhia comprovar rentabilidade, o que, segundo críticos, ainda é incerto diante do histórico financeiro problemático da Comurg.
A reportagem contatou a Comurg e a Prefeitura de Goiânia. A companhia afirmou que as informações sobre uma possível privatização ou venda de ações da Comurg devem ser tratadas diretamente com o Paço, que não respondeu os questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição.
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