Casamento: cada vez menos mulheres adotam o sobrenome do marido em Goiás
Especialistas apontam para transformações sociais profundas nos papéis de gênero, identidade e autonomia
Uma revolução comportamental, discreta, mas profunda, vem transformando o modo como casais formalizam o casamento em Goiás. Dados dos Cartórios de Registro Civil revelam que, em 2024, apenas 27,77% das mulheres adotaram o sobrenome do marido — o menor percentual desde a entrada em vigor do Código Civil de 2003, quando essa prática marcava 39,43% dos matrimônios.
O movimento acompanha uma tendência nacional: entre os 936.555 casamentos realizados no Brasil em 2024, apenas 371.206 registraram a adoção do sobrenome do marido pelas mulheres. Em 2003, esse número era praticamente idêntico (370.141), mas representava um universo bem menor de uniões — 748.981 casamentos naquele ano.
Casamentos e independência
A análise foi feita pela ARPEN/GO (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de Goiás), com base nos dados lançados pelos mais de 8 mil cartórios do estado na Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional). Segundo a presidente da entidade, Evelyn Valente, os números refletem o novo momento social vivido pelo país.
“Os dados mostram uma mudança geracional importante. Hoje, as mulheres têm mais autonomia, independência e liberdade para decidir sobre sua própria identidade — inclusive no momento do casamento”, afirma Evelyn Valente.
“O Registro Civil acompanha essas transformações sociais e garante que cada pessoa possa exercer seu direito de escolha. A decisão de manter ou alterar o sobrenome é um reflexo direto da evolução das relações e da valorização da individualidade de cada cônjuge”, completa.
Regime de bens e alteração de nomes
A virada começou há duas décadas, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002. A nova legislação ampliou os regimes de bens e flexibilizou a forma como os cônjuges podem — ou não — alterar seus nomes.
Uma das grandes novidades foi a possibilidade de o homem adotar o sobrenome da esposa, algo inédito até então. Contudo, a prática nunca se popularizou.
Em 2003, dos 26.623 casamentos registrados em Goiás, apenas 192 homens incluíram o sobrenome da parceira.
Em 2024, mesmo com o aumento no número de casamentos (33.646), o cenário pouco mudou: apenas 283 homens optaram pela inclusão — 0,83% do total.
A discrepância entre o que a lei permite e o que a sociedade pratica evidencia que certas tradições familiares continuam pesando nas escolhas.
A preferência por manter o nome de solteiro cresce como nunca
A tendência dominante hoje nos cartórios goianos é clara: os casais têm preferido manter seus nomes de solteiro. Em 2024, essa opção representou 63,60% dos casamentos — o maior percentual de toda a série histórica.
Em números absolutos, foram 21.395 matrimônios, de um total de 33.646, sem qualquer alteração de sobrenome.
Em 2003, essa escolha representava apenas 38,02%, ou 10.110 casamentos de 26.623 celebrações.
O dado aponta para um movimento social que ultrapassa questões burocráticas: trata-se de uma redefinição do sentido de identidade dentro das relações amorosas e familiares.
Casais passam a compartilhar sobrenomes — e tendência cresce lentamente
Outra possibilidade aberta pelo Código Civil — a inclusão do sobrenome por ambos os cônjuges — também apresentou crescimento, ainda que moderado. Em 2003, isso ocorria em 7,13% dos casamentos. No último ano, o índice chegou a 7,80%, representando 2.625 uniões.
Apesar de ser uma parcela pequena, ela traduz uma nova compreensão de reciprocidade e construção conjunto da identidade familiar.
Lei moderniza e desburocratiza mudanças de sobrenome
Uma etapa mais recente dessa evolução veio com a edição da Lei Federal nº 14.382/22, que facilitou alterações de sobrenome no Brasil. Agora, é possível:
- incluir sobrenomes familiares a qualquer tempo, mediante comprovação do vínculo;
- alterar ou excluir sobrenome em razão de casamento ou divórcio;
- permitir que filhos acrescentem sobrenomes quando os pais modificam os seus.
A norma acompanha o cenário em que a identidade civil deixou de ser estática e passou a refletir, de forma mais flexível, as transformações afetivas e familiares contemporâneas.
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