Governo gasta R$ 2,85 bilhões de seu caixa nos últimos 12 meses
Numa estratégia recentemente referendada pelo gestor fiscal, o governo decidiu utilizar, neste ano, parte do caixa bilionário acumulado para acelerar despesas correntes e investimentos. Não parece ser coincidência a mudança no direcionamento definido para a gestão fiscal em um momento de intensificação do ativismo político exercitado pela principal liderança governamental. De toda forma, como já registrado por este espaço, há alguma “gordura” a ser queimada pelo Estado, apesar da deterioração fiscal em curso e mesmo que o desempenho recente do governo estadual nessa área possa afetar avaliações futuras da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) sobre a capacidade de o Estado honrar o pagamento de compromissos relacionados à dívida consolidada.
Em outubro do ano passado, apenas para comparação, as disponibilidades líquidas de caixa do Estado haviam alcançado algo ao redor de R$ 18,275 bilhões, equivalente a 43,7% da receita corrente líquida acumulada em 12 meses. O valor já descontava restos a pagar processados, depósitos sujeitos a restituição e montantes vinculados a convênios e contratos. No mesmo mês deste ano, as “sobras” no caixa registraram queda nominal de 15,61%, recuando para pouco menos de R$ 15,423 bilhões e se aproximando de 34,27% da receita corrente líquida.
A comparação entre os dois períodos mostra que o governo estadual lançou mão de R$ 2,852 bilhões de seu caixa — valor ainda inferior ao déficit primário de R$ 3,387 bilhões acumulado nos 12 meses encerrados em outubro deste ano. A piora nas contas pode ser observada ao se comparar esse déficit com o superávit de aproximadamente R$ 2,750 bilhões registrado entre novembro de 2023 e outubro de 2024. Nesse caso, houve deterioração de R$ 6,137 bilhões, algo como 13,63% da receita corrente líquida registrada no período, em torno de R$ 45,035 bilhões, e equivalente a 39,79% das disponibilidades de caixa registradas naquele mês.
Sinal de cautela
O gradual esvaziamento do caixa e o leve incremento da dívida consolidada bruta contribuíram para que o endividamento líquido estadual experimentasse forte alta nos 12 meses avaliados — passando de aproximadamente R$ 8,795 bilhões para R$ 12,694 bilhões, um avanço de 44,33%, ou R$ 3,899 bilhões. Esse montante corresponde ao déficit nominal do período, calculado com base na variação da dívida consolidada líquida (“abaixo da linha”). Conforme os manuais de gestão fiscal, a dívida cresce quando há insuficiência de receitas para cobrir todas as despesas, incluindo juros e amortizações, gerando novos déficits nominais.
Nos 12 meses finalizados em outubro de 2024, por exemplo, a dívida líquida havia sido reduzida em 16,80%, resultando em superávit nominal de R$ 1,776 bilhão. O comportamento mais recente, no entanto, deve ser interpretado como sinal de alerta, exigindo cautela na gestão das contas estaduais daqui para frente.
Balanço
• Apesar da piora, os números ainda não configuram situação de emergência nem indicam agravamento estrutural irreversível. Pela legislação e resoluções do Senado, a dívida consolidada líquida poderia crescer até pouco mais de quatro vezes, chegando a R$ 53,503 bilhões, limite equivalente a 120% da receita corrente líquida ajustada.
• Até outubro deste ano, a relação entre dívida líquida e receitas alcançou 28,20% — acima dos 21,04% do ano anterior, mas ainda distante do teto regulatório. O dado mais preocupante aparece no desempenho da poupança corrente, que segue em queda acentuada, refletindo crescimento mais forte das despesas correntes do que das receitas.
• O artigo 167-A da Constituição Federal, incluído em 2021, estabelece que a relação entre despesas e receitas correntes deve obedecer ao teto de 95%, como forma de preservar o equilíbrio fiscal e garantir margem para investimentos e políticas públicas sustentáveis — segundo definição da Secretaria da Economia de Goiás.
• Acima desse limite, o Estado entra em situação de alerta fiscal, o que obriga o gestor a adotar medidas para reverter o quadro, como proibição de concessão de vantagens e reajustes ao funcionalismo (exceto decisões judiciais), veto à criação de novos cargos, restrições a novas contratações e impedimento de novas operações de crédito.
• Em Goiás, o percentual se aproximou ainda mais do teto, atingindo 92,67% em outubro deste ano (contra 84,86% no mesmo mês de 2023), superando o limite de alerta de 85%.
• A despesa corrente liquidada nos 12 meses até outubro somou R$ 44,849 bilhões — alta de 17,53% em relação ao ano anterior. Os restos a pagar não processados chegaram a R$ 677,094 milhões, aumento de 15,96%. Somando essas duas rubricas, os compromissos correntes passaram de R$ 38,742 bilhões (2023–2024) para R$ 45,526 bilhões (últimos 12 meses), variação de 17,51%, equivalente a R$ 6,784 bilhões adicionais.
• As receitas correntes cresceram apenas 7,61% no mesmo período — de R$ 45,656 bilhões para R$ 49,129 bilhões, aumento nominal de R$ 3,472 bilhões. Com isso, a poupança corrente despencou de R$ 6,915 bilhões para R$ 3,603 bilhões, queda de 47,89% (R$ 3,311 bilhões a menos). A relação entre poupança corrente e receita caiu de 15,14% para 7,33%.