Goiás é bolsonarista e caiadista. E agora, com ambos candidatos?
Flávio herdou muito do pai, mas, com o próprio Jair disputando, o goiano ganhou dele duas vezes no Estado; resta esperar que as duas postulações se consolidem e que vença o melhor – se for o melhor governador, as pesquisas fecham mais um ano com o de Goiás em 1º
Os números estão aí ao sabor do vento. Quem não os respeita colhe tempestade, quem só se fixa neles perde o que acontece fora da bolha dos institutos. Hoje, Flávio Bolsonaro, o filho escolhido pelo ex-presidente para a disputa em 2026, vai desistir amanhã. Amanhã, em vez de deixar a candidatura, o senador pelo Rio se consolida e começa a rodar o País em busca de apoios. E ontem ele apareceu em Goiás para fazer sabe-se lá o quê. Uma fonte que sabe, sim, o que foi discutido disse a O HOJE que o governador Ronaldo Caiado reafirmou a Flávio a manutenção de sua pré-candidatura e o primogênito de Jair, também. Mas foi só isso?
A presença de Flávio por aqui durante o período eleitoral pode dividir o que até agora se revelou sólida, a dobradinha entre Ronaldo Caiado e Jair Bolsonaro, colegas de Câmara dos Deputados durante 20 anos. Em 2018 e 2022, Caiado ganhou para governador no 1º turno e, mesmo seu partido tendo candidatos, não atrapalhou as duas campanhas de Bolsonaro. Aliás, no 2º turno de ambas, o governador eleito e reeleito foi para o palanque, as caminhadas e carreatas pedir votos para o amigo. Haverá essa reciprocidade em 2026?
Tradicionalmente, eleição em Goiás não se federaliza, tanto que o PT ganhou cinco das últimas seis disputas pela Presidência da República e por aqui não elege governador nem senador. Caso Flávio se efetive como candidato, o comando estratégico de sua campanha deve decidir o que tem sido praxe, dar pouco ou nenhum espaço na agenda para Estados com eleitorado não muito significativo. Em 2022, éramos 5.136.435 dos 156.454.011 eleitores do País. Espera-se que fique nos Estados mais populosos, até porque eles também terão candidatos próprios: Tarcísio de Freitas em São Paulo, apesar de ter nascido no Rio de Janeiro; Romeu Zema em Minas Gerais (nasceu em Araxá, que já foi Goiás); Ratinho Jr. no Paraná. Eles podem perder noutros lugares, mas devem ganhar nessas unidades da federação, assim como Caiado em Goiás.
Na verdade, o que está ocorrendo é exatamente o que Caiado propôs: lançar diversos oponentes da esquerda e quem for para o 2º turno terá o apoio dos demais. Foi o que aconteceu na semana passada no Chile e a esquerda, que estava no poder (aliás, ainda está, pois José Antonio Kast será empossado apenas em março, uma enrolação maior que no Brasil), liderou o 1º turno e perdeu no 2º. As nações vizinhas estão tirando o vermelho do mapa. Às vezes, com sucesso inesperado, caso da Argentina, em que o vitorioso, Javier Milei, foi vendido pela imprensa brasileira como maluquete e tirou da lama um país atolado na inflação, no desemprego, no atraso.
No âmbito interno, é possível prever que continue a paz vivida pelo presidente Lula nos três primeiros, sem oposição de lado algum, mandando no presidente do Senado (tanto em Rodrigo Pacheco quanto em Davi Alcolumbre) e no Supremo Tribunal Federal, escolhendo a dedo o procurador-Geral da República. Isso na política. Na economia, nem tanto, pois nada houve como na Argentina, medidas inovadoras para conter o caos. No Brasil, qualquer problema é resolvido com programas sociais. É contra esse status quo que Flávio, Caiado e demais da oposição tentam emplacar algum discurso. A questão, longe de ser fácil, não é de Flávio contra Caiado, mas de todos eles como alternativa à esquerda, ideologia que concentra as forças em Lula.
Flávio terá um tipo de voto em Goiás, o do bolsonarista fanático, que são 11% dos eleitores. Os demais eleitores da direita vão com Caiado. Em 2022, Jair teve 52,16% dos goianos no 1º turno e 58,71% no 2º. O pai foi o presidente que mais veio a Goiás em toda a história, à exceção de Juscelino Kubitschek, que aqui construiu Brasília e exerceu o mandato de senador na bancada goiana. Flávio não acompanhava Jair. Quando vinha, inclusive a Caldas Novas, não era acompanhado pela imprensa. Dos filhos, o que mais esteve em Goiás foi Jair Renan, agora vereador em Balneário Camboriú (SC).
Quem mais tem a ganhar caso Flávio venha bastante na campanha presidencial é o senador Wilder Morais, que vai enfrentar o vice-governador Daniel Vilela e o ex-governador Marconi Perillo, além de algum candidato do PT. E quem mais tem a perder Flávio, pois na eventualidade de Caiado virar presidente não terá sido com apoio da família Bolsonaro; caso Caiado não vá para o 2º turno e Flávio esteja nele contra Lula, vai precisar de Caiado no Centro-Oeste, na Bahia e nos interiores de São Paulo, Minas, Paraná e Rio Grande do Sul. Precisa igualmente do discurso de Caiado em favor da segurança.
Se o filho, igual ao pai, for favorável a reciprocidade, fará o mínimo de esforço para si mesmo onde estarão seus maiores apoiadores no enfrentamento a Lula: se não prejudicar seus aliados da direita, no dia 25 de outubro de 2026 será consagrado nas urnas por Ronaldo Caiado em Goiás, Zema em Minas, Tarcísio em São Paulo, Ratinho no Paraná, Ibaneis Rocha e Celina Leão no Distrito Federal.
Diferenças cruciais entre Flávio e Jair vão pesar muito
Inexiste o cenário em que Jair Bolsonaro passou de zebra a único candidato, fora Fernando Henrique Cardoso, a derrotar o PT em eleições presidenciais – ganhou de Fernando Haddad em 2018, mesmo com o establishment inteiro torcendo contra. Quando as pessoas foram votar, Lula e grande parte de sua equipe estavam na cadeia, Dilma Rousseff havia sido derrubada da presidência, a Operação Lava Jato havia prendido praticamente todos os grandes empresários ligados ao PT, o combate à corrupção era o tema da vez. Do próprio Bolsonaro poderia se dizer qualquer coisa, menos que ele e sua família tivessem envolvimento com algo errado na questão de probidade. O que o filho tiver de diferente disso vai pesar na hora do voto. E muito.

Flávio não tem a empatia do pai. Ninguém o chama de mito. Não há multidões ávidas por sua presença. Sua mulher não dispõe do público evangélico de Michelle Bolsonaro, que ainda conta com o público de surdo-mudos devido à sua dedicação à linguagem de sinais. Sua reputação, ao contrário da de Jair, ficou bastante afetada pelas denúncias de rachadinha quando foi deputado estadual no Rio de Janeiro. O amigo mais conhecido de Jair é o cantor goiano Amado Batista; o de Flávio é Fabrício Queiroz, que esteve preso sob a acusação de ser operador de esquemas. Queiroz está solto há muito tempo e o caso da rachadinha não foi para a frente, porém, o cristal se quebrou.
Jair mora numa casa alugada em Brasília (antes de começar a cumprir pena na superintendência da Polícia Federal). Flávio comprou, em 2021, uma residência no Lago Sul, região mais valorizada na Capital da República, por R$ 5,97 milhões, quitada em 2024. Jair senta no meio-fio e come espetinho de carne de gato. Vai a posto de gasolina dividir salgado e refrigerante com caminhoneiros. Flávio tem outro estilo. Não é melhor nem pior, apenas não é o Jair.