Novas regras praticamente acabam com a saidinha de Natal em Goiás
Com nova legislação, apenas presos condenados antes de 2024 podem manter o benefício, mediante decisão judicial
As regras para a chamada “saidinha de Natal” passou por mudanças profundas e já impactam diretamente o sistema prisional em Goiás. Com a entrada em vigor da Lei Federal nº 14.843/2024, sancionada em abril do ano passado, o benefício foi drasticamente restringido, alterando uma prática que, por décadas, fez parte da política de execução penal no País.
A nova legislação praticamente extinguiu as saídas temporárias para visitas familiares em datas comemorativas, como Natal e Ano-Novo, especialmente para presos condenados após a mudança na lei.
Dados do Sistema Nacional de Políticas Penais (Senappen) mostram que, no primeiro semestre de 2024, foram concedidas 107.331 autorizações de saída temporária em todo o Brasil.
No mesmo período deste ano, o número caiu para 103.898 autorizações, uma redução de 3.433 concessões, o equivalente a uma queda de 3%. Embora nem todos os Estados tenham sido computados no levantamento, o recuo reflete o endurecimento das regras em nível nacional, inclusive em Goiás.
O que mudou na legislação
Antes da alteração legal, presos do regime semiaberto que apresentavam bom comportamento e já tinham cumprido parte da pena podiam deixar a unidade prisional em datas comemorativas para visitar familiares e manter vínculos sociais. Essas saídas ocorriam até cinco vezes ao ano, por períodos de até sete dias, e eram consideradas instrumentos de ressocialização previstos na Lei de Execução Penal (LEP).
Com a nova lei, esse cenário mudou. Segundo o advogado criminalista Gabriel Fonseca, a legislação atual eliminou a saída temporária apenas para convívio familiar ou celebração de feriados.
“Hoje, esse benefício só pode ser concedido para fins educacionais ou de trabalho. O preso precisa estar matriculado em curso regular, seja supletivo, ensino médio, superior ou profissionalizante, ou exercer atividade laboral externa devidamente autorizada pela Justiça”, explica.
Na prática, as tradicionais “saidinhas de Natal e Ano-Novo”, como eram conhecidas, deixaram de existir para a maioria dos detentos. Em Goiás, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Polícia Penal já afirmaram que o Estado não concede mais saidinhas específicas de Natal, seguindo as diretrizes da nova legislação federal.
Ainda assim, a lei não se aplica de forma igual para todos. Presos condenados antes de abril de 2024 podem, em determinados casos, manter o direito às regras antigas. Isso ocorre porque o direito penal brasileiro não permite que normas mais gravosas retroajam para prejudicar o condenado.
“Dependendo da situação individual e da decisão do juiz da execução penal, alguns detentos ainda podem ser beneficiados em datas comemorativas”, ressalta Gabriel Fonseca.
Impactos em Goiás e debate jurídico sobre a saidinha de natal

O endurecimento das regras também reacendeu debates jurídicos e institucionais. Levantamento divulgado pelo site Metrópoles apontou que mais de dois mil presos que obtiveram autorização para a saidinha de Natal entre o fim de 2024 e o início de 2025 não retornaram aos presídios em todo o País. Diante desse cenário, o advogado destaca que as consequências para quem descumpre o benefício são severas.
“Esses detentos passam a ser considerados foragidos, têm o benefício revogado e, quando recapturados, geralmente retornam ao regime fechado. Além disso, perdem o direito a futuras progressões de regime e a novas saídas. A fuga é considerada falta grave e impacta diretamente o cumprimento da pena”, afirma.
Em Goiás, a aplicação da nova lei tem sido rigorosa. Para presos condenados após abril de 2024, a saída temporária para visitas familiares foi abolida. O benefício agora é restrito ao estudo e ao trabalho e é absolutamente vedado para condenados por crimes cometidos com violência ou grave ameaça, além de crimes hediondos o que inclui, em determinadas interpretações, crimes como roubo e tráfico de drogas.
Gabriel Fonseca avalia que a mudança representa uma das reformas mais drásticas da execução penal nas últimas décadas. “Existe um discurso político muito forte voltado à segurança pública. No entanto, do ponto de vista jurídico, a lei é extremamente polêmica, pois pode ferir princípios constitucionais como o da individualização da pena e o direito à ressocialização”, argumenta.
Segundo o advogado, ao afastar o contato familiar, o Estado enfraquece um dos principais vínculos que ajudam a evitar a reincidência criminal. “No longo prazo, isso pode gerar um efeito contrário ao esperado, aumentando a tensão dentro dos presídios, desestimulando o bom comportamento e tornando o sistema prisional mais inchado e menos eficiente”, avalia.
Diante desse cenário, o tema já chegou ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO). Advogados têm protocolado recursos e habeas corpus com base no princípio de que a lei penal mais grave não pode retroagir.
Leia mais: Goiás acelera inovação e registra alta de 29% no número de startups em 2025