Natal de Goiânia migra para novos polos e reacende debate sobre uso dos espaços urbanos
Com grandes eventos concentrados no CCON e ações descentralizadas em bairros, modelo das celebrações de natal na Capital passa por mudanças e provoca discussões sobre planejamento urbano e valorização do Centro Histórico
A capital de Goiás, que por décadas teve suas celebrações natalinas associadas às cantatas e apresentações realizadas na Praça Cívica, passou por mudanças estruturais e territoriais em seus festejos de fim de ano.
Em 2025, enquanto o projeto “Natal para Todos” amplia a programação para 15 bairros da cidade, o “Natal do Bem”, realizado no Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON), consolida-se como o maior evento gratuito do País. Ao mesmo tempo, esse novo desenho das festividades levanta debates sobre o esvaziamento do Centro Histórico e sobre as prioridades do planejamento urbano adotado nos últimos anos.
Na região central, a Praça Tamandaré permanece como um dos principais símbolos da tradição natalina em Goiânia. Com aproximadamente 30 anos de existência, o túnel de luzes instalado na Avenida Assis Chateaubriand segue como referência histórica das comemorações municipais. Atualmente, a estrutura possui 180 metros de extensão, com mais de 582 mil micro lâmpadas de LED, que iluminam uma área total de 4.140 metros quadrados.
O espaço continua sendo frequentado por famílias e visitantes, mantendo uma relação afetiva com moradores da região. No entanto, especialistas em urbanismo observam que a centralidade histórica das celebrações vem sendo reduzida ao longo do tempo.
A Praça Tamandaré, que já recebeu diferentes propostas estéticas, como iluminação em tons de azul e, mais recentemente, branco frio e morno, passa a coexistir com um modelo de festividade concentrado em grandes estruturas montadas fora do núcleo tradicional da cidade, especialmente nas proximidades da rodovia GO-020.
A mudança mais significativa na organização do Natal goianiense ocorreu em 2021. Naquele ano, em razão das obras do BRT na Praça Cívica, o governo estadual transferiu o “Natal do Bem” para o Centro Cultural Oscar Niemeyer. O deslocamento, inicialmente apresentado como uma solução temporária, foi mantido nos anos seguintes e redefiniu o formato do evento.
Em 2024 e 2025, a programação atingiu grande escala, com 3 milhões de pontos de luz, uma árvore de 40 metros de altura, roda-gigante e estruturas cenográficas como neve artificial.
Para o doutor em Arquitetura e Urbanismo Fred Le Blue, essa mudança representa uma perda simbólica para o Centro Histórico, espaço que, segundo ele, deveria ser a “diversidade e democracia urbana por excelência”.
De acordo com o pesquisador, a escolha do CCON está associada a uma dinâmica rentista, ao aproximar a principal celebração natalina de áreas com alto valor imobiliário, próximas ao Shopping Flamboyant, e afastá-la das populações das regiões Norte, Noroeste e Oeste da Capital.
Le Blue também analisa o impacto do evento sobre o uso do próprio equipamento cultural. Para ele, a adoção de uma estrutura de grande porte segue uma “lógica do circo”, que inviabiliza, por meses, a utilização regular do espaço para atividades como teatro e cinema, sem deixar um legado físico permanente.
Conforme aponta o urbanista, após o período natalino, o CCON volta a ser um “elefante branco”, com uso restrito e pouco integrado ao cotidiano urbano, enquanto moradores de regiões periféricas dependem de transporte fretado para acessar um local que não faz parte de sua rotina.
O volume de público concentrado em um único ponto também expõe limitações da infraestrutura urbana. Em 2024, mais de 1,5 milhão de pessoas passaram pelo evento no CCON, neste ano antes do natal, mais de 1 milhão de pessoas já visitaram o espaço. O urbanista classifica o acesso ao local como “refratário”, principalmente pela implantação do complexo às margens de uma rodovia.
O entorno apresenta dificuldades para deslocamentos a pé, com ausência de calçadas adequadas, acostamentos e passarelas, o que torna a travessia da GO-020 arriscada para pedestres que se deslocam a partir de bairros vizinhos ou do shopping da região.
Para reduzir esses entraves, prefeitura e governo estadual disponibilizam linhas de ônibus exclusivas, com saídas de terminais como o da Praça da Bíblia e da Isidória, além da oferta de aproximadamente 12 mil vagas de estacionamento gratuito.
Ainda assim, na avaliação do especialista em Arquitetura e Urbanismo, esse modelo de deslocamento reforça uma lógica de transporte pontual para grandes eventos, sem contribuir diretamente para a consolidação de equipamentos culturais permanentes nas regiões mais afastadas do centro.
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A tentativa de descentralização do natal em 2025
Em 2025, a gestão do prefeito Sandro Mabel (UB) lançou o projeto “Natal para Todos”, com a proposta de levar iluminação e atrações para 15 pontos distribuídos por todas as regiões da cidade. Entre os bairros contemplados estão Jardim Abaporu, Vera Cruz e Morada do Sol. A iniciativa foi bem recebida por moradores como Dalvan Araújo, que relatou não ter condições de se deslocar até o evento central.
Do ponto de vista técnico, porém, a descentralização é considerada parcial. O maior volume de investimentos segue concentrado no CCON, enquanto as estruturas instaladas nas praças de bairro são mais simples e temporárias. Urbanistas apontam que os recursos aplicados em montagens efêmeras poderiam ser direcionados à requalificação de equipamentos permanentes, como o Parque Mutirama, que possui uma árvore de 35 metros, mas enfrenta problemas de subutilização e manutenção ao longo do ano.
Além das iniciativas públicas, o Natal em Goiânia também se organiza a partir de ações privadas. Shoppings como Flamboyant, Araguaia e Goiânia Shopping mantêm programações próprias, que incluem carrosséis pagos, apresentações musicais, cantatas gratuitas e espaços para fotos com o Papai Noel.
Paralelamente, campanhas como a “Loja dos Sonhos” e o “Natal Presente” buscam associar o período a ações de caráter social, voltadas principalmente a crianças em situação de vulnerabilidade.
No âmbito nacional, o “Especial Natal Brasil”, do Ministério do Turismo, destaca a Vila Gastronômica instalada no CCON, que reúne pratos da culinária regional, como risoto de cerrado e galinhada, comercializados a preços sociais.
Na análise urbanística, entretanto, a inserção desses elementos culturais ocorre dentro de um modelo de evento concentrado e temporário, com pouca relação com a dinâmica cotidiana dos bairros e dos espaços públicos da cidade.
Dessa forma, o Natal de Goiânia em 2025 se caracteriza por números expressivos e por uma programação de grande alcance, ao mesmo tempo em que evidencia desafios relacionados ao uso dos espaços históricos, à mobilidade urbana e à integração territorial. O debate sobre o equilíbrio entre eventos de grande porte e a valorização permanente dos espaços urbanos segue em aberto.
A equipe de redação procurou a Secretaria de Governo de Goiânia para questionar os critérios técnicos e o orçamento destinados à descentralização do projeto “Natal para Todos”, assim como as estratégias previstas para evitar o esvaziamento do Centro Histórico nos próximos anos. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.