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sexta-feira, 26 de dezembro de 2025
contenção de danos

Festas de fim de ano evidenciam novos padrões e velhos riscos do consumo de álcool

Enquanto jovens aderem à sobriedade e ampliam a presença de bebidas sem álcool nas festas, houve aumento de internações e mortes associadas ao consumo entre idosos

Anna Salgadopor Anna Salgado em 26 de dezembro de 2025
festa
Foto: Divulgação/Senac

As festas de final de ano em 2025 trazem um cenário complexo e paradoxal para a saúde pública brasileira, especialmente em um período tradicionalmente associado ao aumento do consumo de bebidas alcoólicas. 

Enquanto novos dados apontam para uma mudança cultural significativa, com a Geração Z liderando um movimento consistente de abstenção, o País enfrenta desafios críticos e simultâneos: um aumento drástico nas hospitalizações de idosos relacionadas ao álcool e o alerta contínuo de autoridades internacionais de que não existe nível seguro para o consumo de bebidas alcoólicas, mesmo em quantidades consideradas moderadas.

De acordo com o relatório “Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2025”, produzido pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), o perfil do consumo no Brasil passou por transformações notáveis nos últimos dois anos, indicando uma inflexão relevante nos padrões historicamente observados. 

O percentual de brasileiros que declararam não beber subiu de 55% em 2023 para 64% em 2025, revelando uma mudança de comportamento que atravessa diferentes segmentos da população. Essa tendência de redução do consumo e aumento da abstenção é apontada como um avanço significativo para a saúde coletiva, com potencial impacto positivo na redução de doenças e agravos associados ao álcool.

O destaque absoluto dessa mudança são os jovens de 18 a 24 anos, cuja taxa de abstenção saltou de 46% para 64% no mesmo período, consolidando essa faixa etária como protagonista do novo cenário. Além da busca por uma vida mais saudável, a Geração Z aponta motivações específicas para beber menos: cerca de 30% desses jovens relatam a necessidade de manter o autocontrole, evitando a chamada “ressaca moral”, além de estarem menos dispostos a arcar com os altos custos das bebidas alcoólicas, especialmente em um contexto de restrições econômicas.

Contudo, essa escolha pela sobriedade ainda enfrenta barreiras sociais relevantes. O fenômeno do “sober shaming”, a discriminação ou segregação de quem opta por não beber, segue presente em diferentes ambientes sociais, especialmente em festas e confraternizações. 

Se entre os jovens o copo parece “meio vazio”, na população acima de 55 anos o cenário é preocupante e exige atenção redobrada. O Panorama 2025 revela que este grupo foi o que apresentou o maior aumento nas internações atribuíveis ao álcool, com um crescimento de aproximadamente 105% entre 2010 e 2024. 

A mortalidade nessa faixa etária também subiu 51% no mesmo período, sendo a única faixa etária com registro de aumento na mortalidade relacionada ao álcool, o que acende um alerta para gestores e profissionais de saúde.

Especialistas explicam que o álcool pode agravar doenças crônicas já existentes, aumentar significativamente o risco de interações medicamentosas perigosas e elevar a ocorrência de quedas e acidentes de trânsito, que figuram entre as principais causas de internação parcial atribuível ao álcool nessa idade. Esses fatores tornam o consumo alcoólico ainda mais arriscado para a população idosa, ampliando os impactos individuais e coletivos.

O risco da “bebida protagonista” nas festas de confraternizações

Com a chegada das festas Natal e do Ano Novo, o consumo tende a aumentar drasticamente devido às confraternizações. A psiquiatra Alessandra Diehl, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abad), alerta que a bebida não pode ser a protagonista das festas. O álcool é frequentemente usado como uma “anestesia” para lidar com a ansiedade ou frustrações típicas desta época, o que pode agravar quadros de depressão já existentes.

Nas emergências, os problemas mais comuns durante as festas incluem quedas, intoxicações e episódios de agressividade. Um ponto crítico é a falta de supervisão de crianças em ambientes com adultos alcoolizados; não é raro que pronto-atendimentos pediátricos recebam menores que ingeriram álcool acidentalmente porque os responsáveis não estavam atentos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e estudos publicados na The Lancet Public Health reforçam que qualquer quantidade de álcool ingerida pode trazer prejuízos à saúde. O álcool é classificado como um carcinógeno do Grupo 1 (mesma categoria do tabaco e do amianto) e está diretamente ligado a pelo menos sete tipos de câncer, incluindo o de mama e o colorretal.

O risco de desenvolver câncer aumenta substancialmente com o volume consumido, mas a OMS esclarece que metade dos cânceres atribuíveis ao álcool na Europa, por exemplo, é causada pelo consumo “leve” ou “moderado”. O etanol causa danos biológicos ao ser decomposto no corpo, o que significa que o risco existe desde a primeira gota, independentemente da qualidade ou do preço da bebida.

Leia mais:Homem é morto a tiros em frente a distribuidora no dia de Natal, em Anápolis

Estratégias para uma festa equilibrada e inclusiva

Para quem deseja curtir as festas sem os excessos que levam ao mal-estar e à ressaca, especialistas recomendam a “redução de danos”. A oferta de bebidas não alcoólicas tem se consolidado como uma das mudanças observadas nas mesas das festas de Natal e ano novo, refletindo uma preocupação crescente com a inclusão de diferentes perfis nas festas de fim de ano. A iniciativa busca contemplar grávidas, crianças, pessoas abstêmias ou que optam por uma noite mais leve, sem abrir mão do caráter simbólico e festivo da data. 

Nesse contexto, ganham espaço opções elaboradas a partir de frutas e especiarias, como o suco integral de maçã aromatizado com canela, cravo e casca de laranja, servido com água com gás, além de combinações tropicais que unem abacaxi, hortelã e limão. 

Para o público infantil, bebidas à base de frutas vermelhas, como o suco de uva integral combinado com morango, surgem como escolha frequente, preservando o aspecto visual e a atmosfera de festas, sem o uso de álcool.

Apesar dos dados otimistas sobre a abstenção juvenil, o Brasil ainda mantém um consumo per capita de 7,7 litros de álcool puro por ano, superando a média mundial de 5,5 litros. O desafio para os próximos anos, conforme as metas da OMS para 2030, é reduzir o uso nocivo em 20%, protegendo especialmente as populações mais vulneráveis e combatendo a glamourização do consumo abusivo.

O monitoramento contínuo e a conscientização são ferramentas essenciais para que as festas de fim de ano sejam lembradas pela alegria do encontro, e não pelas estatísticas de acidentes e enfermidades. (Especial para O HOJE)

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