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terça-feira, 16 de dezembro de 2025

A grande “revelação” da mídia e o rabo que balança o cachorro

Lauro Veiga Filhopor Lauro Veiga Filho em 16 de dezembro de 2025
grande
Foto:Rafa Neddermeyer/Agência Brasi

Há coisa de duas semanas, uma facção da mídia hegemônica “descobriu” que as despesas financeiras de fato existem e que têm sido responsáveis por detonar as possibilidades de algum equilíbrio no resultado dos governos, quando tomado em seu conceito nominal, quer dizer, com a inclusão dos gastos com juros. O dado “surpreendente” ganhou manchete na edição dominical de um dos jornalões paulistanos, justamente um dos que têm se ocupado em reproduzir e martelar sem descanso as teses mais caras da “esquadrilha austericida”, alinhando-se a operadores de mercado, analistas, consultores e comentaristas ligados ao setor financeiro.

De fato, como mostram os dados do Banco Central (BC), a conta dos juros respondeu por praticamente 94,5% do déficit nominal acumulado pelo setor público nos dez primeiros meses deste ano e, mais do que isso, dado ainda ignorado pelo jornalão, foi responsável por todo o aumento registrado pelo resultado nominal na comparação com igual período do ano passado. A queda do déficit primário, que exclui a conta dos juros, ajudou a conter o ritmo de alta do rombo nominal, muito embora as despesas financeiras tenham apresentado alguma elevação.

Mesmo com números na faixa de centenas de bilhões de reais alcançados pelo resultado nominal, a grande mídia preferiu destacar o salto observado para o déficit apresentado pelas empresas estatais exclusivamente no setor federal. Trata-se de uma tentativa de manipular números com o objetivo central de preservar a retórica austericida e apresentar como inevitável um ajuste para reduzir drasticamente as despesas primárias, de preferência aquelas relacionadas a políticas públicas de transferência de renda para as famílias menos favorecidas.

Os dados agregados mostram que o déficit primário de todo o setor público foi reduzido de R$ 56,678 bilhões entre janeiro e outubro do ano passado para R$ 46,852 bilhões em igual período deste ano, correspondendo a uma queda de 17,34%, ou cerca de R$ 9,826 bilhões a menos. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o resultado negativo recuou de 0,58% para 0,45%.

A principal contribuição veio dos governos regionais, mais precisamente das prefeituras municipais, que transformaram o déficit de R$ 16,460 bilhões registrado até outubro de 2024 em um superávit de R$ 6,195 bilhões. Embora tenha correspondido a apenas 0,06% do PIB, a mudança de sinal representou uma melhora de R$ 22,655 bilhões, mais do que compensando a queda no superávit realizado pelos governos estaduais na mesma comparação.

Nos Estados, o saldo positivo entre receitas e despesas primárias despencou de R$ 33,957 bilhões, cerca de 0,35% do PIB, para R$ 17,779 bilhões, o equivalente a 0,17% do produto total gerado pelo país. A queda foi de 47,64%, representando uma piora de R$ 16,178 bilhões.

O governo federal, sem incluir as contas do Banco Central e da Previdência, elevou o superávit primário de R$ 221,379 bilhões, o equivalente a 2,28% do PIB, para R$ 244,282 bilhões, ou 2,33% do produto bruto, uma alta de 10,35%, que se traduziu em ganho de R$ 22,903 bilhões. Ainda assim, o destaque da imprensa ficou para o salto de 42,65% no déficit das estatais federais, que avançou de R$ 4,452 bilhões para R$ 6,351 bilhões, cerca de R$ 1,899 bilhão a mais.

Como mostram os dados oficiais, o saldo positivo em todo o governo federal foi mais de 38 vezes superior ao déficit das estatais federais, que não chega a representar uma ameaça ao desempenho das contas públicas em geral. Quilos de tinta e toneladas de papel foram gastos, no entanto, para tentar mostrar que o descalabro nas contas das estatais tenderia a levar para o fundo do poço o chamado “novo arcabouço fiscal”, impedindo que o setor público federal entregue os resultados prometidos. Em outras palavras, o rabo passou a balançar o cachorro.

As análises, além de nitidamente direcionadas para causar terrorismo fiscal, desconsideraram outro dado relevante. As mesmas estatais tiveram um ganho financeiro de R$ 2,523 bilhões entre janeiro e outubro deste ano, um salto de 50,09% em relação ao saldo positivo de R$ 1,681 bilhão registrado na conta financeira em igual período do ano passado.

Esse crescimento na conta financeira ajudou a amenizar o impacto do resultado primário sobre o déficit nominal das estatais federais, que inclui os juros. O resultado final das empresas estatais federais apresentou alta de 38,15%, com o déficit nominal passando de R$ 2,771 bilhões para R$ 3,826 bilhões.

Esse dado precisa ser analisado dentro do contexto das contas consolidadas do setor público federal, que experimentou um salto de 34,13% nas despesas com juros, passando de R$ 534,096 bilhões para R$ 716,394 bilhões, um acréscimo de aproximadamente R$ 182,298 bilhões, incluindo as contas da Previdência. Em relação ao PIB, a conta dos juros federais subiu de 5,50% para 6,82%.

Os juros foram responsáveis por todo o aumento do déficit nominal do governo federal, que avançou de R$ 599,741 bilhões para R$ 779,101 bilhões, sendo que 91,95% desse total decorreu do pagamento de juros. Entre os dez primeiros meses do ano passado e o mesmo intervalo deste ano, o déficit nominal aumentou em R$ 179,630 bilhões. Para efeito de comparação, os juros consumiram R$ 182,298 bilhões a mais. O resultado nominal das estatais federais correspondeu a apenas 0,49% do déficit federal e sua contribuição para o crescimento desse déficit foi de “espetaculares” 0,59%.

No consolidado de todo o setor público brasileiro, houve queda de 17,34% no déficit primário, que passou de R$ 56,678 bilhões para R$ 46,852 bilhões, uma redução de R$ 9,826 bilhões. Já as despesas com juros cresceram 4,82%, saindo de R$ 761,847 bilhões para R$ 798,584 bilhões, um acréscimo de R$ 36,737 bilhões. Nesse mesmo período, o déficit nominal avançou de R$ 818,525 bilhões para R$ 845,436 bilhões, alta de R$ 26,911 bilhões, ou cerca de 3,29%. O pagamento de juros, que respondeu por 93,08% do déficit nominal em 2024, passou a representar 94,46% neste ano, sendo responsável por todo o crescimento do rombo no período analisado.

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