Olúfẹ́mi Táíwò relê a política da identidade em “Captura”
No debate público contemporâneo, a palavra “identidade” tornou-se um campo de batalha. Progressistas e conservadores a utilizam para atacar o chamado “identitarismo”, muitas vezes sem distinguir sua potência política original do esvaziamento promovido pelas elites. É nesse terreno que o filósofo Olúfẹ́mi Táíwò intervém com Captura, livro que chega agora ao Brasil em tradução com prefácio de Maria Fernanda Novo e Teófilo Reis.
A obra parte de uma constatação incômoda: a experiência individual de opressão, isolada, não possui efeito pedagógico nem força política suficiente para transformar realidades. Para que o sofrimento ganhe densidade histórica, precisa ser compreendido e organizado coletivamente. Táíwò revisita a tradição de pensadores e militantes que sustentaram esse princípio – de Amílcar Cabral a Paulo Freire, passando pelas feministas negras lésbicas do coletivo Combahee River. Todos defenderam que a identidade não é destino, mas ferramenta de solidariedade e ação comum.
O autor, contudo, mostra como a mesma identidade que mobilizou lutas emancipatórias foi também capturada por corporações e grupos com acesso desproporcional a recursos. A estratégia é eficaz: traduz demandas materiais em gestos simbólicos e neutraliza o potencial disruptivo da política. A diversidade, então, é celebrada em espaços de poder onde as desigualdades permanecem intactas.
Esse processo, segundo Táíwò, não se limita ao contexto norte-americano. No Brasil, a ampliação dos direitos de minorias e a multiplicação de suas vozes convivem com tentativas de despolitização. A crítica ao “identitarismo” aparece como reação a qualquer avanço, enquanto mecanismos de inclusão seletiva reduzem identidades a performances decorativas.
Com uma escrita que combina filosofia política e análise social, Captura convida leitores a recuperar o horizonte revolucionário da identidade. Em tempos de ataques à participação popular e de cooptação das agendas por elites econômicas, o livro reforça a urgência de pensar a identidade como chave para a construção de alianças coletivas capazes de reorientar a democracia.
O autor
OLÚFẸ́MI O. TÁÍWÒ é um filósofo norte-americano de ascendência nigeriana. Doutor pela Universidade de Califórnia, é professor associado de filosofia na Universidade de Georgetown e pesquisador no Climate and Community Institute. Autor aclamado pela crítica, publicou também Reconsidering Reparations. Já colaborou com veículos como The Guardian, The New Yorker e Al Jazeera, entre outros.

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