Agricultura, consumo e setor externo seguram economia no final de 2023

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de março de 2024

O Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todos os bens e serviços produzidos pela economia, cresceu 2,9% no ano passado, depois de avançar 3,0% em 2022. O dado, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), veio acima das projeções iniciais do mercado financeiro, que havia antecipado um incremento pouco acima de 0,8% para 2023 ainda no início daquele ano, previsão revisada no final de junho para 2,19% e, mais adiante, já na reta final do exercício, elevada para 2,92% – com o requinte de “adivinhar” a variação até a segunda casa depois da vírgula.

O ano, no entanto, dividiu-se nitidamente em duas fases bem distintas, quando considerada a variação trimestre a trimestre, já com ajuste sazonal. Nos dois primeiros trimestres, na comparação com o período trimestral imediatamente anterior, descontados fatores e eventos que se repetem nas mesmas épocas todos os anos, a economia havia anotado variações de 1,3% e de 0,8%, saindo de um incremento de apenas 0,2% no trimestre final de 2022. Aparentemente, com a contribuição especificamente do setor agrícola, o PIB parecia engrenar uma melhoria, logo revertida pelas taxas observadas nos dois trimestres finais do ano passado, com variação nula nos dois períodos.

Sob o ponto de vista da demanda, a estagnação virtual observada no final do ano veio por conta de um ligeiro recuo de 0,2% no consumo das famílias na saída do terceiro para o quarto trimestre, numa reversão em relação à alta de 0,9% registrada no terceiro trimestre, frente aos três meses imediatamente anteriores. A contribuição do setor externo, adicionalmente, perdeu força, devido a uma elevação de 0,9% nas importações e de uma estagnação relativa das exportações de bens e serviços, que avançaram apenas 0,1% no quarto trimestre. Para colocar em perspectiva, as importações haviam encolhido 2,1% no terceiro trimestre, ao mesmo tempo em que as exportações haviam logrado um salto de 2,8% no mesmo período.

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Agro em baixa

Pela ótica da produção, a agropecuária, grande destaque ao longo do ano em função da supersafra de grãos, sofreu queda de 5,3%, com perdas menos intensas para o comércio e a indústria de transformação, que recuaram 0,8% e 0,6% frente ao terceiro trimestre. A alta de 4,7% na indústria extrativa e de 4,2% para o setor de construção evitou que a indústria como um todo entrasse em terreno negativo, assegurando o crescimento de 1,3% frente ao terceiro trimestre. A desaceleração pode ser notada igualmente na comparação com períodos idênticos de 2022, com a alta de 3,8% no primeiro semestre substituída por uma variação mais contida, embora não desprezível, de 2,0% na segunda metade de 2023.

Balanço

  • Ao longo do ano, os dados do IBGE reforçam a perspectiva de perda de vigor da demanda doméstica na composição do crescimento do PIB no ano passado. Na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ao contrário do que ocorreu em 2022, o crescimento no ano passado veio “mais apoiado na demanda externa, que se canalizou para produtos agropecuários e da indústria extrativa, e menos na demanda interna, sobretudo, com menos investimentos, o que prejudicou a indústria”.
  • Naquele sentido, o crescimento observado em 2023 ganha certas características espúrias, porque sustentado em boa medida por commodities básicas, de baixo conteúdo tecnológico, a exemplo de soja, milho, petróleo em bruto e seus derivados e minério de ferro. Segundo o IBGE, a demanda interna contribuiu com apenas 0,9 pontos percentuais para o crescimento de 2,9%. Quer dizer, uma contribuição de apenas 31%. O setor externo, refletindo a diferença entre exportações e importações, respondeu pelos restantes 69% (quer dizer, dois pontos percentuais sobre a taxa geral de crescimento do PIB).
  • A diferença entre as taxas de exportação e importação sobre o PIB foi positiva nos últimos quatro anos, mas ganhou intensidade em 2023, quando alcançou a maior participação em relação ao total de riquezas geradas pelo País desde 2005. Para comparar, as exportações líquidas (descontadas as importações) haviam correspondido a 0,4% do PIB em 2022, saltando para 2,4% no ano passado, percentual superado apenas pela participação de 3,4% registrada em 2005.
  • Apesar de ter derrapado no final do período, a agropecuária fechou o ano com alta de 15,1%, diante de variações de 1,6% para a indústria em geral (embora com queda de 1,3% para a indústria de transformação) e de 2,4% para os serviços (o que confirma a desaceleração no setor).
  • No lado da demanda, o investimento mergulhou em queda de 3,0% – a despeito do avanço de 0,9% observado na passagem do terceiro para o quarto trimestre. A reação aparente, aqui, não foi suficiente para que os investimentos superassem os dados do quatro trimestre de 2022, mantendo-se uma redução de 4,4% nessa comparação.
  • O consumo das famílias avançou 3,1% nos 12 meses do ano passado, mas veio perdendo fôlego ao longo do período, com a taxa de crescimento desacelerando para 2,3% no quarto trimestre (em relação aos mesmos três meses de 2022), na sequência de altas de 3,9%, 3,1% e de 3,3% nos três primeiros trimestres do ano. As exportações acumularam um salto de 9,1% em todo o ano, enquanto as importações recuaram 1,2%.
  • Conforme o Iedi, “importamos menos produtos intermediários, como químicos, derivados de petróleo e metálicos, mas também máquinas e equipamentos. É um comportamento que se deve à frágil evolução industrial e à forte retração do investimento em 2023”. O dado positivo acumulado pela indústria em geral, vale registrar, deveu-se ao crescimento de 8,7% da indústria extrativa, por conta da “alta na extração de petróleo e gás natural e de minério de ferro”, segundo o IBGE. E ainda ao aumento de 6,5% na produção de eletricidade e gás, água e esgoto e gestão de resíduos, sob influência, ainda conforme o instituto, da “melhora nas condições hídricas em relação à 2022 e o aumento das temperaturas médias do ano”.
  • Para este ano, o Iedi espera que o repasse da redução dos juros básicos, que afetaram negativamente a atividade econômica no ano passado e sobretudo o investimento, para as taxas de empréstimos “ganhe força” e ajude a “destravar” decisões de investimento, “dinamizando a indústria de transformação”. Ações de política econômica, a exemplo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), “ do aperfeiçoamento do Programa Desenrola”, da valorização do salário mínimo e, “numa perspectiva mais de longo prazo, a regulamentação da reforma tributária e a concretização da Nova Indústria Brasil, podem fortalecer a confiança de investidores e empresários”, acrescenta o instituto.