Quinta-feira, 28 de março de 2024

Ainda nas “alturas”, juros impedem queda mais forte da dívida pública

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 04 de maio de 2023

Como antecipado pelos arautos do setor financeiro e todo séquito de comentaristas, analistas e economistas alinhados aos mercados, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter a taxa básica de juros nos mesmos 13,75% ao ano em vigor desde o início de agosto do ano passado. Amenizou seu discurso, que havia alcançado, na reunião passada, ocorrida no começo de março, um tom acima do habitualmente utilizado, com cobranças e desafios aos condutores da política econômica, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a qualquer pretensão do governo de turno em adotar políticas que persigam a reindustrialização do País.

O tom um pouco menos “estapafúrdio”, no entanto, não ajuda a esvaziar as pressões e ameaças que a política de juros escorchantes impõe sobre a situação fiscal, gerando despesas jamais submetidas ao escrutínio do Congresso e que têm respondido por todo o crescimento da dívida pública nos últimos anos. Como têm se buscado mostrar neste espaço, já há tempos a política de juros altos tem sido a maior ameaça ao tal equilíbrio fiscal cobrado por correntes de economistas mais conservadores, para se recorrer a uma terminologia mais “amena”, coloque-se assim.

Os dados, como sempre, são oficiais, coletados, harmonizados, consolidados e divulgados regularmente pelo Banco Central (BC), em seu site. A dívida bruta do governo geral, que inclui a União, governos estaduais, prefeituras e estatais, apresentou um avanço nominal de 5,55% entre março de 2022 e o mesmo mês deste ano, sem descontar a inflação decorrida no período. O saldo daquela dívida passou de qualquer coisa acima de R$ 7,009 trilhões para pouco mais do que R$ 7,398 trilhões, correspondendo a um acréscimo de R$ 388,780 bilhões.

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Retórica e manipulação

A relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelos brasileiros, baixou de 77,35% para 73,05% já que o PIB, também em valores nominais, registrou variação próxima de 11,8% ao sair de R$ 9,062 trilhões em março do ano passado para R$ 10,128 trilhões nos 12 meses finalizados em março último, na estimativa do BC. Quer dizer, o trabalho realizado pelo conjunto da população gerou um acréscimo de R$ 1,066 trilhão no volume de riquezas produzidas em um ano, permitindo que a relação entre dívida e PIB recuasse. O indicador ajuda a colocar sob suspeita a retórica segundo a qual a economia brasileira estaria enfrentando gravíssima ameaça fiscal, o que exigiria do BC uma política muito mais conservadora, vale dizer, de juros necessariamente abusivos, já que o risco de quebra do Estado estaria por trás, em última análise, do suposto descontrole das taxas de inflação. Uma manipulação, na verdade, destinada a preservar os interesses dos setores rentistas, pois, como se mostrará mais uma vez, os gastos com juros continuam sendo o grande fator de desequilíbrio fiscal e de crescimento da dívida.

Balanço

  • Nos últimos 12 meses terminados em março deste ano, as despesas com juros nominais atingiram R$ 766,611 bilhões, correspondendo a 7,57% do PIB. Nos 12 meses imediatamente anteriores, finalizados em março de 2022, os juros haviam consumido R$ 579,143 bilhões, aproximando-se de 6,39% do PIB. Em valores não atualizados, os gastos com juros aumentaram 32,37%. Isso significa que o fluxo de gastos com juros chegou a superar a variação observada para o saldo da dívida em nada menos do que 97,18%.
  • Entre abril do ano passado e março deste ano, os governos em geral recompraram liquidamente perto de R$ 408,096 bilhões da dívida em circulação no mercado, equivalentes aproximadamente a 5,8% do saldo devido em março do ano passado. Aquele resultado corresponde à diferença entre o total de títulos vendidos pelos governos desde abril do ano passado e o valor dos papéis liquidados ou recomprados no mesmo período. O efeito dessa operação deveria ter sido uma redução no saldo devido aos mercados, mas, como visto, isso não ocorreu.
  • Num registro adicional, mas necessário, o valor recomprado em 12 meses até março deste ano foi praticamente 93,8% maior do que o resultado líquido das operações de venda e compra de papéis ocorridas entre abril de 2021 e março do ano seguinte, somando uma recompra líquida de R$ 201,614 bilhões.
  • Desconsiderado o ano de 2020, período mais crítico da pandemia e também quando as taxas básicas de juros atingiram níveis historicamente reduzidos, chegando a meros 2,0% ao ano, tivessem os juros repetido os níveis, por exemplo de 2019, a queda da participação da dívida no PIB poderia ter sido muito mais expressiva, levando a relação entre dívida e PIB para seu nível mais reduzido desde 2016, praticamente sete anos atrás.
  • No primeiro ano do desgoverno que deixou Brasília em janeiro passado, os gastos com juros haviam atingido perto de 5,54% do PIB, o que, a valores de março deste ano, considerando o PIB nominal estimado pelo BC, traria o gasto com juros para qualquer coisa ao redor de R$ 560,896 bilhões, em queda de 27,0% frente à despesa de fato ocorrida. Nesta hipótese, o saldo da dívida teria sido reduzido para R$ 7,183 trilhões, correspondendo a 70,9% do produto.
  • Nos 24 meses entre abril de 2021 e março de 2023, enquanto a dívida anotou incremento nominal de R$ 676,987 bilhões (considerando o saldo de R$ 6,721 trilhões anotado em março de 2021), numa variação de 10,07%, os gastos com juros somaram quase R$ 1,346 trilhão e os governos recompraram R$ 618,710 bilhões.
  • Depois da verdadeira atoarda armada em torno da mudança no marco fiscal, com a extinção do teto de gastos (agora real e não mais virtual, como registrou-se nos quatro anos anteriores), o BC, por meio do Copom, fez questão de “enfatizar” na nota distribuída à imprensa ao final da reunião que “não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal”. Vale observar, os juros continuarão altos sim, a despeito da redução de incertezas no mercado, refletida na queda dos juros de longo prazo.