Coluna

“Ajuste” nas contas externas reflete os efeitos da crise no mercado interno

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de agosto de 2020

Pelo
quarto mês consecutivo, a conta de transações correntes do País fechou no
“azul”, numa tendência pouco usual, superada apenas pelo período entre 2003 e
2006, quando as estatísticas do Banco Central (BC) registram uma sequência de
meses com saldos positivos nesta área. Em 2005, num exemplo, o saldo nas
transações correntes foi positivo em todos os 12 meses. O bom desempenho do
período foi impulsionado principalmente pelo avanço das exportações de
mercadorias, que acumularam elevação de 128,2% em quatro anos, o que foi
acompanhado por incremento de 91,6% nas importações. O saldo
comercial, na medição feita pelo BC, saltou 274,5%.

O
“ajuste” em curso neste ano, no entanto, pode ser classificado como “espúrio”,
porque reflete predominantemente os efeitos negativos trazidos pela crise
sanitária sobre o nível da atividade econômica. Antes de prosseguir, apenas
para deixar o registro, a conta de transações correntes inclui exportações e
importações de bens e mercadorias, despesas com serviços em geral, a exemplo de
gastos com viagens internacionais, fretes, pagamento de royalties por uso de
tecnologias importadas, aluguel de equipamentos, e ainda remessas de lucros e
dividendos, entre outros itens.

Tudo
considerado, em julho, o País registrou um saldo positivo de US$ 1,628 bilhão
nessa conta, o melhor resultado para o mês desde julho de 2006, quando o
superávit havia sido de US$ 3,007 bilhões.Nos sete meses iniciais deste ano, no
entanto, numa tendência recorrente quando se trata do setor externo do País, o
resultado ficou negativo em US$ 11,798 bilhões, num tombo de praticamente 62,0%
em relação a igual período de 2019, quando o rombo havia atingido US$ 30,988
bilhões.

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A
queda, no entanto, veio acompanhada de uma retração 10,2% nas importações de
bens (de US$ 105,848 bilhões para US$ 95,098 bilhões) e da redução de 41,4% nos
gastos com serviços, que passaram de US$ 20,860 bilhões para US$ 12,232
bilhões.

Fuga de
investimentos

Igualmente
afugentado pela crise, o investimento direto no País caiu praticamente pela
metade entre julho de 2019 e o mesmo mês deste ano, encolhendo de US$ 5,328
bilhões para US$ 2,685 bilhões – pior desempenho para um mês de julho desde
2016. Na recessão que ainda marcou aquele ano, saíram do País US$ 103,334
milhões na conta dos investimentos. Em sete meses, dólares de estrangeiros
investidos no País somaram US$ 25,527 bilhões, o que se compara com US$ 36,475
bilhões no mesmo período de 2019, indicando baixa de 30,0%. Enganam-se aqueles
que deixam levar pela verborragia do superministro. O investimento estrangeiro
continua em baixa e a comparação trimestral parece ser a medida mais indicada
para demonstrar isso.

Balanço

·  
Entre
maio e julho deste ano, o investimento direto no Brasil somou US$ 10,380
bilhões, o que representou queda de 26,4% em relação aos US$ 14,1 bilhões
registrados nos mesmos três meses de 2019. Um dos problemas com esse tipo de
estatística é que ela não consegue capturar o que de fato foi investido em
expansão de fábricas, instalação de novas máquinas e equipamentos e na abertura
de novas empresas, que poderiam ampliar a capacidade de produção em toda a
economia, gerar mais empregos e renda.

·  
O
investimento em participação no capital, que poderia ser um indicador no
sentido desejado, inclui a compra de ações ou de empresas inteiras por grupos
estrangeiros, sem que isso represente o acréscimo de um mísero parafuso a mais
na capacidade de produção doméstica. De qualquer forma, esse tipo de
investimento caiu de forma ainda mais pronunciada, despencando de US$ 17,491
bilhões para US$ 7,429 bilhões nos três meses entre maio e julho deste ano – um
tombo de 57,5%.

·  
Na
conta de serviços, o déficit (receitas menos despesas) desabou de US$ 10,047
bilhões entre maio e julho de 2019 para US$ 4,707 bilhões neste ano, encolhendo
53,2%. Ou seja, uma diferença a menor de US$ 5,340 bilhões. Essa “diferença”
contribuiu para a troca de sinais na conta de transações correntes nos mesmos
períodos, saindo de um déficit de US$ 14,323 bilhões para um saldo positivo de
US$ 6,070 bilhões (uma “virada” equivalente a US$ 20,393 bilhões).

·  
A
balança comercial, considerando apenas exportações e importações de
mercadorias, apresentou contribuição ligeiramente mais relevante. A diferença
entre vendas e compras externas experimentou salto de 57,4% ainda entre os dois
trimestres analisados, saindo de US$ 10,497 bilhões para US$ 16,527 bilhões (os
números aferidos pelo BC diferem da estatística de comércio exterior divulgada
pelo Ministério da Economia porque excluem mercadorias que deixam o País, mas
não mudam de proprietário).

·  
O
salto no caso foi resultado muito mais de uma redução vigorosa das importações,
que baixaram de US$ 47,902 bilhões para US$ 37,171 bilhões, registrando queda
de 22,4%. As exportações recuaram 8,05%, de US$ 58,399 bilhões para US$ 53,699
bilhões.

·  
Na
conta de serviços, mais uma vez, o estrago produzido pela crise doméstica volta
a ganhar destaque nos números que apontam retração de 37,4% nas despesas
líquidas (quer dizer, gastos menos receitas) com frete, que baixaram de US$
615,577 milhões para US$ 385,556 milhões, e viagens de negócios (onde o déficit
desabou 91,5%, de US$ 955,124 milhões para US$ 80,977 milhões).

·  
Os
gastos líquidos com aluguel de equipamentos fabricados no exterior, na mesma
linha, caíram 27,9%, de US$ 4,248 bilhões para US$ 3,064 bilhões.

·  
As
estatísticas do BC registram ainda a contribuição relevante da queda nas
remessas de lucros e dividendos para a melhora no saldo da conta de transações
correntes. Na soma de remessas relacionadas a lucros e dividendos gerados pelas
assim chamadas atividades produtivas e àqueles produzidos na especulação com
ações e títulos, esse tipo de despesa despencou praticamente 77,9% no trimestre
maio a julho, caindo de US$ 8,522 bilhões em 2019 para US$ 1,885 bilhão neste
ano (quer dizer, US$ 6,637 bilhões a menos, o que significou quase um terço do
“ajuste” na conta de transações correntes em igual período).