Alta dos juros deve gerar gasto de R$ 217,3 bilhões em 12 meses

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de agosto de 2021

A retomada da política de juros altos vai gerar mais despesas e rombos maiores para o setor público nos próximos 12 meses, trazendo impactos ainda para os níveis do endividamento do setor público, num efeito contraproducente para o tal ajuste fiscal tão defendido pelos conservadores e ultraliberais que têm dominado a agenda econômica no País nas últimas décadas. Desde 17 de março deste ano, a taxa básica de juros já saltou 3,25 pontos de porcentagem, saindo de 2,0% para 5,25% na decisão anunciada na quarta-feira, 4, pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

Os mercados apostam numa taxa de 7,0% até o final deste ano, o que representaria uma elevação de cinco pontos de porcentagem em praticamente nove meses e meio. Mantida a mesma taxa ao longo de 12 meses, e considerando o tamanho da dívida líquida do setor público indexada à taxa básica em junho deste ano, haveria uma despesa adicional de quase R$ 217,3 bilhões apenas para cobrir a conta dos juros, algo como 74,1% de todo o gasto realizado entre março e dezembro do ano passado para pagar o auxílio emergencial a 65,0 milhões de pessoas – qualquer coisa ao redor de R$ 293,1 bilhões.

Os juros básicos continuavam, até julho, abaixo da inflação esperada para este ano, na faixa de 6,80% de acordo com o relatório Focus, do Banco Central (BC), mas já estariam acima da taxa inflacionária projetada para os 12 meses de 2022, já que os mercados apostam em um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais próximo de 3,8%. Ainda assim, o BC parece disposto a prosseguir em sua política. Caso as expectativas do mercado financeiro se mostrem acertadas, guardadas as devidas proporções, o arrocho monetário será mais severo do que aquele perpetrado entre 2013 e 2015.

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Naquele período, o Copom levou 22 meses para subir os juros básicos em 5,25 pontos de porcentagem, produzindo um choque sobre o crédito e sobre a economia em geral. A taxa saiu de 9,0% ao ano em 9 de outubro de 2013 para 14,25% em 30 de julho de 2015. O BC parece disposto a realizar um arrocho proporcional neste ano, mas em apenas nove meses e meio (ou pouco menos que isso), o que ocorreria caso a chamada “taxa Selic” venha a encerrar o período naqueles 7,0% aguardados fervorosamente pela turma do dinheiro. Seria consumada uma elevação de cinco pontos de porcentagem desde 17 de março.

Sinais duvidosos

A intenção evidente do BC é esfriar a economia como forma de conter o impacto da alta de custos, especialmente no setor de energia e combustíveis, sobre o restante dos preços. Mas a economia já não vem produzindo números exatamente muito positivos ao longo do ano e o avanço aparentemente vigoroso ocorre apenas se o nível da atividade econômica for comparado com o mesmo período do ano passado. Mesmo assim, os sinais para o restante do semestre são duvidosos. O desemprego continua historicamente muito elevado e algumas cadeias produtivas na indústria ainda sofrem os efeitos da falta de insumos e matérias-primas, afetando mesmo as exportações. A produção de veículos em julho sofreu queda de 4,2% em relação ao mesmo mês do ano passado, numa redução atribuída pela Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) à falta de componentes, o que teria obrigado à paralisação de algumas fábricas.

Balanço

  • A queda recente dos juros, numa experiência agora abortada pelo BC, produziu sim ganhos fiscais inegáveis, mas camuflados pelo debate econômico (ou, mais precisamente, por certas correntes do pensamento econômico que se propõem hegemônicas). Acumulados em 12 meses, os gastos com juros do setor público como um todo haviam alcançado R$ 539,983 bilhões em janeiro de 2016, o que representava 9,06% do Produto Interno Bruto (PIB).
  • Naquele período, os juros básicos estavam em 14,25% ao ano e a taxa de juros que corrigia a dívida líquida dos governos haviam saltado para nada menos do que 31,88% ao ano, ou seja, mais de duas vezes maiores do que a taxa básica.
  • Em junho deste ano, aqueles gastos somaram R$ 284,239 bilhões, também nos 12 meses encerrados naquele mês. Em valores nominais, sem atualização com base na inflação do período, a despesa com juros sofreu um tombo de 47,4% frente a janeiro de 2016, num corte de R$ 255,744 bilhões. Novamente, considerando que a taxa Selic de fato suba para aqueles 7,0% ao ano e seja mantida nesses níveis ao longo de 12 meses (como apostam os mercados), a despesa adicional a ser gerada nesse período corresponderá a praticamente 60,7% do ganho registrado nos últimos cinco anos e meio.
  • O cálculo leva em conta o saldo de R$ 3,104 trilhões registrado pela dívida líquida do setor público amarrada à taxa de juros básica. Se os juros fossem mantidos nos 2,0% registrados até meados de março deste ano, o gasto com juros, em grandes números, tenderia a alcançar pouco menos de R$ 62,1 bilhões nos próximos 12 meses. Com juros a 7,0% ao ano, a despesa saltaria para R$ 217,3 bilhões, saltando três vezes e meia igualmente em 12 meses, ou seja, R$ 155,2 bilhões a mais.
  • Ainda em junho deste ano, a despeito dos movimentos de alta já definidos pelo Copom para a taxa básica, os juros implícitos da dívida pública líquida haviam despencado para 6,47% (quer dizer, uma redução de 25,4 pontos de porcentagem desde janeiro de 2016). A distância entre esses juros e a taxa básica também foi reduzida, saindo de 17,6 pontos para 2,58 pontos. Mesmo proporcionalmente, observa-se redução: a diferença entre os juros da dívida líquida e a taxa básica correspondia a 55,3% em janeiro de 2016 e foi reduzida para menos de 40,0% em junho deste ano.
  • Como detalhe, a contestar o falatório do ministro Paulo Guedes, dois terços da redução nos gastos com juros ocorreram entre 2016 e dezembro de 2018.
  • Ao longo dos últimos meses, BC e Tesouro decidiram reduzir as emissões de dívidas indexadas à taxa Selic. Embora o estoque total da dívida líquida tenha crescido 16,8% entre junho de 2020 e o mesmo mês deste ano, a dívida referenciada aos juros básicos (a taxa Selic) recuou 7,2% e passou de R$ 3,345 trilhões para R$ 3,104 trilhões. A relação entre a “dívida Selic” e o PIB baixou de 46,5% para 38,7%.