Alta dos juros no Brasil só perde para Rússia (que está em guerra)

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de março de 2022

No paraíso dos rentistas, a alta das taxas de juros no Brasil só ficou atrás do aumento nos juros básicos praticados pela Rússia. E, como até a equipe econômica pode ter notado, um único entre aqueles dois países não está em guerra. Bem, não em guerra contra outras nações, muito embora o desgoverno de plantão insista em torpedear seus próprios cidadãos rotineiramente, num ataque sistemático por todos os flancos da vida nacional. Como dito, o Brasil foi o segundo que mais aumentou os juros num período de 12 meses até março deste ano, saindo de meros 2,0% para 11,75% ao ano, num acréscimo de 9,75 pontos de porcentagem. Os russos partiram de 4,25% para 20,0%, impondo uma elevação de 15,75 pontos, sobretudo a partir de fevereiro deste ano, reagindo aos impactos do conflito e às sanções econômicas, financeiras e comerciais impostas pelos principais países do mundo ocidental.

A coleção de dados sobre da política monetária ao redor do mundo foi apresentada pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, ontem, durante a abertura do ciclo de seminários Desafios da Economia Brasileira, promovido pelo Tribunal de Contas da União, com apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). No grupo de 14 países selecionados por Campos Neto, incluem-se México, Chile, Brasil, Colômbia, Peru, China, Índia, Coreia do Sul, Rússia, Ucrânia, Hungria, Polônia, Turquia e África do Sul.

Os turcos se mantêm na segunda colocação entre aqueles países, com juros fixados em 14,0% ao ano. A diferença é que a taxa sofreu recuo de 3,0 pontos desde fevereiro do ano passado, quando esteve na casa dos 17,0%. Além da Turquia, somente a China impôs ligeiro corte em sua taxa doméstica de juros, estacionada em 2,10% ao ano (0,1 ponto mais baixa). Os chineses perdem apenas para a Coréia, que tem segurado os juros em 1,25%. Entre os latinos, o México registra a menor elevação, com alta de 2,0 pontos de porcentagem, saindo de 4,0% para 6,0%. Até na Ucrânia a elevação foi menos relevante do que no Brasil, com variação de quatro pontos de porcentagem a partir de fevereiro do ano passado.

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Gestão desastrosa

A alta dos juros por aqui se justifica de alguma forma? Desde que a equipe econômica abdicou de sua obrigação de gerir a economia, a administração da inflação tem ficado por conta quase exclusivamente da política de juros, encarregada de conter pressões de alta sobre os índices inflacionários na base de choques de juros, que encarecem o crédito, geram rombos nas contas públicas e, portanto, mais dívidas, esfriam a economia e causam mais desemprego. A administração da inflação no Brasil tem sido desastrosa, com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegando a 10,54% nos 12 meses encerrados em fevereiro deste ano, dado mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desastrosa pelos resultados em si, mas também por desconsiderar ferramentas de política econômica que poderiam ajudar a conter a pressão inflacionária ou ao menos mitigar seus efeitos sobre a economia.

Balanço

  • Entre as economias emergentes, a alta da inflação no Brasil foi a segunda maior desde dezembro de 2109, perdendo para a Turquia e à frente da Rússia. A Turquia destaca-se com inflação acumulada de quase 82% entre o final de 2019 e fevereiro deste ano, com altas de 16,9% no Brasil e algo em torno de 16,0% na Rússia. Obviamente, o indicador ainda não captava os reflexos da invasão da Ucrânia sobre os preços das commodities e especialmente sobre petróleo e gás natural.As três economias se distanciam do restante do grupo, formado ainda por México, Chile, Colômbia, Índia, África do Sul, Peru e China, que tem conseguido segurar sua inflação na faixa dos 2,0%.
  • No México e no Chile, a taxa acumulada no período estaria muito próxima de 12%, com a Colômbia alcançando qualquer coisa ao redor de 11%. Na África do Sul, outro membro dos famigerados Brics (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China, além da própria África do Sul), a inflação do período chegou a perto de 9%, com a Índia superando ligeiramente a faixa de 10%.
  • Além de enfrentar os preços mais salgados do petróleo e de seus derivados, com transmissão quase automática para os preços domésticos em função da política de paridade com os custos de importação colocada em prática pela Petrobrás, o Brasil esteve diante do risco de colapso na geração de energia hidroelétrica em decorrência dos níveis historicamente reduzidos de seus reservatórios, o que encareceu também os custos da tarifa de energia.
  • Por aqui, os preços do grupo energia subiram por volta de 40% desde dezembro de 2019 até fevereiro deste ano, perdendo mais uma vez para o salto de praticamente 100% no caso da Turquia. O Peru foi o que mais se aproximou da dupla turco-brasileira, com variação pouco acima dos 20%. Todos os demais emergentes listados por Campos Neto (numa relação que não inclui os vizinhos Argentina e Uruguai) registravam variações inferiores a 20%, com México, Rússia e Colômbia apresentando altas abaixo de 10% no período.
  • Na Área do Euro, os preços do grupo energia, que inclui derivados do petróleo, as altas estiveram acima de 25%, com Canadá e Estados Unidos surgindo em seguida, com variações em torno da faixa dos 25%.
  • As projeções mais catastróficas para a relação entre a dívida bruta do governo geral e Produto Interno Bruto (PIB) não se confirmaram. Mais apropriadamente, foram desautorizadas pela realidade. Os mercados acreditavam, ainda em novembro de 2020, que aquela relação deveria atingir 95% no ano passado e tenderia a se aproximar de 96% neste ano. Mas a dívida saiu para 80,3% do PIB nos 12 meses finalizados em fevereiro deste ano. A expectativa dos mercados é de que a relação alcance 86% em 2030, abaixo dos 100% projetados para aquele mesmo período ao final de 2020.