Coluna

Antes da pandemia se instalar por aqui, indústria já derrapava

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 02 de abril de 2020

Os
dados da pesquisa mais recente sobre a produção industrial divulgados ontem
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sugerem que o setor
deverá ser um dos mais severamente atingidos pela crise gerada pela pandemia de
coronavírus. Deve-se lembrar que as atividades no comércio, serviços e na
indústria começaram de fato a sofrer paralisação a partir da segunda metade de
março, situação que tende a se prolongar por um período ainda não previsível.
Os números da indústria de fevereiro, portanto, ainda não haviam sido afetados
pela (então) epidemia.

Mais
uma vez, a indústria manifesta, por meio dos números apurados pelo IBGE, sua já
reiterada incapacidade para alçar voos mais altos (e isso desde antes da
recessão de 2015/2016) e, mais preocupante, aponta mesmo uma desaceleração no
ritmo observado um mês antes. Pode-se imaginar o que a pesquisa de março deverá
trazer. Por enquanto, as estatísticas de fevereiro servem como um alerta para o
que poderá vir. Na saída de dezembro de 2019 para janeiro deste ano, a produção
havia anotado uma elevação de 1,2%, o que chegou a ser celebrado como um sinal
de que o setor poderia finalmente engrenar um crescimento mais generoso neste
ano.

Fevereiro
trouxe, na verdade, uma desaceleração, com a produção passando a apresentar
variação de 0,5% diante de janeiro (o dado já “desconta” os efeitos dos dias
trabalhados a menos em fevereiro em função do carnaval, o que os economistas
chamam de “indicador dessazonalizado”). Mais sintomático, a indústria entrou em
seu quarto mês de queda quando a comparação ocorre com o mesmo período do ano
imediatamente anterior. Em novembro, dezembro e janeiro, a produção já havia
recuado, pela ordem, 1,7%, 1,2% e 0,9%. Pode-se considerar que fevereiro até
teria apresentado alguma “melhoria”, pois a atividade industrial chegou a
registrar baixa de “apenas” 0,4% em relação ao segundo mês de 2019, ou seja,
“perdeu” menos do que nos meses anteriores.

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Otimismo?

De
uma forma ou de outra, parece um tanto excessivo considerar esse desempenho sob
um ponto de vista muito otimista diante do histórico recente da indústria no
País e sua longa trajetória de encolhimento. O IBGE anota, por exemplo, que o
setor se encontrava, até fevereiro, perto de 16,6% abaixo dos níveis atingidos
em maio de 2011, quando a produção alcançou seu recorde na série histórica do
instituto. Os dados deste ano continuam influenciados negativamente pela
indústria extrativa, que sofreu baixas de 1,2%, de 0,9% e de 0,4% em dezembro,
janeiro e fevereiro, sempre em relação ao mesmo período do ano anterior. O
segmento ainda deverá sofrer, na crise de coronavírus, com a queda já
antecipada da produção de minério de ferro e com a decisão da Petrobrás de reduzir
a extração de petróleo em alguma coisa da ordem de 200,0 mil barris diários, o
que corresponde a um corte de quase 7% na produção total do País (que tem
girado em torno de 2,9 milhões de barris por dia). A indústria de transformação
como um todo, de qualquer maneira, não tem se saído muito melhor, com destaque
negativo para os bens de consumo e de capital.

Balanço

·  
O
setor de transformação havia apresentado avanços de 0,8% e de 1,5% em dezembro
e janeiro, respectivamente, na comparação com o mês final de 2018 e o primeiro
do ano passado. Mas apresentou recuo de 0,5% em fevereiro, passando a acumular
no ano uma variação de 0,5%. Em 12 meses, dado o desempenho muito ruim de 2019,
a indústria de transformação apresentava, até fevereiro, uma variação ridícula
de 0,2%.

·  
A
queda na produção de carnes e de leite, expressa na redução de abates e no
recuo dos laticínios, conforme o IBGE, tem determinado um desempenho pífio para
o setor de bens semi e não duráveis, categorias que incluem produtos essenciais
e de primeira necessidade para a população, agora em quarentena e com o consumo
ainda mais reduzido.

·  
A
indústria de semiduráveis e de não duráveis acumulou em fevereiro o quarto mês
consecutivo de resultados negativos. Na comparação com o mês imediatamente anterior,
já com os tais ajustes sazonais, a produção do setor colecionou baixas de 0,6%,
de 1,4%, de 0,2% e novamente de 0,2% em novembro, dezembro, janeiro e
fevereiro, respectivamente. Foram dois meses de retração frente a igual período
de 2019, com redução de 0,8% em janeiro e de 1,6% em fevereiro, mostrando uma
degradação expressiva entre um mês e o seguinte.

·  
A
produção de bens de capital chegou a experimentar salto de 13,0% em janeiro, na
comparação com dezembro, quando havia desabado 12,1%. Em fevereiro, o setor
avançou 1,2%. Na comparação anual (ou seja, em relação a idênticos meses do ano
imediatamente anterior), a produção de bens de capital (máquinas, equipamentos,
bens de informática, caminhões e ônibus, entre outros), a produção chegou a
avançar 4,2% em janeiro, depois de dois meses de retração (-3,1% em novembro e
-6,1% em dezembro).

·  
Em
fevereiro, o setor – que opera como um indicador do ritmo dos investimentos na
economia – sofreu tombo de 4,6%, passando a acumular no ano um recuo de 0,6%.

·  
A
produção de bens de capital para a agricultura (máquinas agrícolas) caiu 5,7%
no primeiro bimestre, com baixa de 4,7% no setor de transporte e tombos de 8,3%
e de 7,3% na produção para a construção e de bens de capital de uso misto.