Coluna

As bombas do bem de Joe Biden e a política externa americana para o Oriente Médio

Publicado por: Marcelo Mariano | Postado em: 01 de março de 2021

Marcelo Mariano*

Pouco mais de um mês após tomar posse, o presidente
americano, Joe Biden, realizou seu primeiro bombardeio. Os alvos foram “infraestruturas
usadas por grupos militantes apoiados pelo Irã no leste da Síria”, segundo o
Pentágono.

A ação é considerada uma resposta aos recentes ataques de
milícias iraquianas pró-Irã contra os Estados Unidos no Iraque. No entanto, não
houve apoio nem mesmo entre parlamentares democratas.

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O senador Tim Kaine, que, em 2016, concorreu a
vice-presidente na chapa com Hillary Clinton, disse que “uma ação militar
ofensiva sem a aprovação do Congresso não é constitucional quando não há
circunstâncias extraordinárias”.

O deputado democrata Ro Khanna, por sua vez, lembrou que
Biden, agora, é o “sétimo presidente americano consecutivo a ordenar ataques no
Oriente Médio”. Seu antecessor, Donald Trump, também realizou, em 2017, um
bombardeio contra a Síria e, à época, foi criticado pela atual porta-voz da
Casa Branca, Jen Psaki.

“Qual é a autoridade legal para os ataques? Assad é um
ditador brutal. Mas a Síria é um país soberano”, escreveu Psaki no
Twitter. Depois do bombardeio de Biden, a deputada democrata Ilhan Omar, que
não concordou com a ação, resgatou a publicação em tom irônico: “Boa pergunta”.

O bombardeio foi, de fato, ilegal e violou a soberania da
Síria. Biden pode ter, para alguns, um discurso bonito, de respeito aos
direitos humanos, por exemplo. Não há, contudo, bombas do bem. Ele precisa ser
criticado, assim como Trump foi e como será qualquer outro que cometer tais
atos.

Aliás, Biden tem uma postura em política externa muito mais
intervencionista do que Trump. Como senador e, posteriormente, vice de Barack
Obama, o democrata apoiou a participação americana em vários conflitos no
Oriente Médio.

Em um mundo com a China cada vez mais ativa, esta região não
terá a mesma prioridade geopolítica para os Estados Unidos que teve no passado.
Porém, o envolvimento americano no Oriente Médio nos últimos anos foi tanto que
será impossível deixá-lo de lado.

O principal ponto desta relação é o acordo nuclear iraniano,
que Trump abandonou. Biden quer retomá-lo, mas o Irã pede a retirada imediata
das sanções. Se não houver uma decisão até o meio do ano, a situação pode se
complicar.

O Irã terá eleições presidenciais. A linha mais moderada,
que está no poder, quer negociar. A linha mais linha dura, que quer retomar o
poder, tende a dificultar as negociações. Se esta última vencer, os rumos devem
mudar.

A relação com a Arábia Saudita também é importante. Biden
endureceu o tom com o príncipe herdeiro e líder de facto do país, Mohamed bin
Salman – também conhecido pela sigla MBS –, diferentemente de Trump, que era
muito próximo dele.

O governo americano simplesmente o excluiu dos contatos
bilaterais e, agora, conversa diretamente com o rei Salman – pai de MBS –, mas
que, aos 85 anos, já não tem mais as mesmas condições de antes para governar o
país.

Biden quer mostrar, pelo menos no discurso, que se preocupa
com os direitos humanos, sistematicamente violados na Arábia Saudita. Retirou
os Estados Unidos da coalizão liderada pelos sauditas no conflito do Iêmen e
divulgou um relatório sobre a morte do jornalista Jamal Khashoggi que prejudica
MBS.

No final do governo Trump, os Estados Unidos intermediaram
acordos que oficializaram relações diplomáticas entre Israel e quatro países
árabes – Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos.

Com a Arábia Saudita, ainda não houve acordo – talvez esteja
cedo para um movimento desse tamanho. Mas o governo saudita, que mantém diálogo
com Israel nos bastidores, com certeza deu o aval para as negociações – até
porque, entre os interesses, está a contenção do Irã, seu principal rival
regional.

Embora Biden adote um postura mais dura do que Trump em
relação à Arábia Saudita, nada indica que esses acordos – nem as estratégicas
para conter o Irã – estejam em risco. Os sauditas, afinal, são parceiros
estratégicos.

O presidente americano ainda não conversou com o primeiro-ministro
israelense, Benjamin Netanyahu, mas Israel também seguirá como um importante
aliado americano no Oriente Médio.

Biden, em resumo, quer a volta do velho normal, ou seja, os
Estados Unidos mais intervencionistas em assuntos mundiais – inclusive no Oriente
Médio –, agora sem a imprevisibilidade de Trump. Nesse ponto, ninguém deve esperar
grandes surpresas nos próximos quatro anos.

*Assessor internacional da Prefeitura de Goiânia e
vice-presidente do Instituto Goiano de Relações Internacionais (Gori). Escreve
sobre política internacional às segundas-feiras.