Auxílio ameniza mergulho da renda e melhora sua distribuição em 2020

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 20 de novembro de 2021

Ao contrariar a equipe econômica e aprovar o auxílio emergencial a partir de abril do ano passado, o Congresso não só evitou um mergulho mais dramático da economia como amenizou os impactos diretos e indiretos da crise gerada pelo Sars-CoV-2 sobre a renda das famílias e ainda contribuiu para aliviar levemente a concentração da renda ao longo do ano passado. O cenário neste ano, tende a mostrar tendência literalmente inversa, a se considerar o comportamento cambaleante do mercado de trabalho, a redução da massa de rendimentos e o corte drástico nas transferências de renda às famílias mais vulneráveis.

Apenas para registro aqui, durante os nove meses de 2020 em que o auxílio foi pago, o Tesouro desembolsou perto de R$ 293,105 bilhões em valores nominais, dos quais R$ 236,936 bilhões (80,8% do total) foram gastos até setembro. Neste ano, o dado mais recente do Tesouro mostra que, entre janeiro e setembro, o auxílio consumiu R$ 52,459 bilhões, num tombo de 77,9% frente a igual período do ano passado – ou seja, as famílias mais vulneráveis deixaram de receber R$ 184,477 bilhões, o que certamente ajudará a achatar sua capacidade de consumir, agravando a situação de fome e miséria registrada nos grandes centros urbanos.

Divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), que explora os dados sobre os rendimentos totais recebidos pelas famílias, mostra que o auxílio não foi suficiente para evitar uma redução da massa real de rendimento mensal domiciliar per capita (quer dizer, a soma de todos os rendimentos recebidos pelos moradores de cada residência no País, atualizados pela inflação média do ano passado). Neste caso, a queda geral chegou a 3,6%, com a massa de rendimentos recuando de R$ 295,194 bilhões em 2019 para R$ 284,598 bilhões.

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Sem o auxílio, certamente o tombo teria sido mais severo, ao se considerar a redução de 8,7% no total de ocupados, com a liquidação de 8,1 milhões de empregos na passagem de 2019 para o ano seguinte.  O percentual de domicílios que passaram a receber outros programas sociais, categoria que inclui o auxílio emergencial, saltou de apenas 0,7% no total do País para 23,7%. Considerando todos os programas públicos de transferência de renda aos mais pobres, na média brasileira, em torno de 34% das residências passaram a ser favorecidas, diante de 18,5% em 2019 (e uma média ao redor de 20% até meados da década passada).

Transferências no Estado

Os números para Goiás seguem na mesma direção, embora com intensidade relativamente menor. Entre 2019 e 2020, o percentual de domicílios beneficiados com transferências de “outros programas sociais” avançou de 0,5% para 23,4%. Incluindo os programas Bolsa Família e de benefícios de prestação continuada (BPC), os percentuais avançam de 14,1% para 32,2% (acima da média observada para o Centro-Oeste, ao redor de 29,4%). Nas regiões Norte e Nordeste, tudo somado, 50,1% e 52,7% dos domicílios, respectivamente, passaram a receber recursos de programas sociais, diante de 32,5% e 35,2% em 2019. Não por coincidência, foram as duas únicas regiões a apresentar aumento da massa de rendimento real domiciliar, com altas de 3,6% no Norte e de 1,4% no Nordeste. Centro-Oeste, Sudeste e Sul, pela ordem, sofreram baixas de 4,0%, de 5,2% e de 5,7%.

Balanço

  • O auxílio emergencial, presumivelmente, contribuiu para alguma melhoria na distribuição da renda entre as famílias, ao permitir que os rendimentos das faixas menos favorecidas pudessem avançar enquanto os mais ricos sofreram perdas em função da crise. Na média de todo o País, a fatia de 1,0% entre os mais ricos teve seu rendimento domiciliar per capital reduzido em 9,4% em termos reais, de R$ 17.448 para R$ 15.816. Entre a metade de renda mais baixa, registrou-se elevação de 3,9%, com o rendimento domiciliar avançando de R$ 436 para R$ 453.Nas regiões Norte e Nordeste, mais uma vez, o aumento para os 50% mais pobres variou entre 17,8% e 16,2%.
  • As distâncias entre ricos e pobres continuam abissais, mas ficaram ligeiramente menos aterradoras entre 2019 e 2020. O rendimento do 1% mais rico passou a ser 34,9 vezes maior do que o rendimento da metade mais pobre, menor relação da série iniciada em 2012. No ano passado, o abismo havia sido recorde, com o rendimento dos muito ricos superando em 40 vezes o da metade mais pobre. Um morador de um domicílio na faixa de 1% mais rico ganhou, no ano passado, na média mensal, nada menos que 287,6 vezes mais do que os 5% mais pobres, abaixo de 2019 (quando a diferença havia sido de 329 vezes), mas acima de 2012 (230,3 vezes mais).
  • O índice de Gini, que afere o nível de concentração da renda, recuou de 0,544 em 2019 para 0,524 em 2020 (considerando o rendimento real domiciliar per capita). O indicador retornou aos níveis de 2015, lembrando que, quanto mais próximo de um, maior a concentração (e vice-versa). Em Goiás, o índice baixou de 0,460 para 0,445, atingindo o menor nível na série. O dado refletiu as tendências opostas registradas para a massa de rendimentos domiciliar per capita dos mais pobres e para os mais ricos. No primeiro caso, os rendimentos dos 50% mais pobres avançou de R$ 1,815 bilhão em 2019 para R$ 1,855 bilhão no ano seguinte, variando 2,2% em termos reais.
  • A massa de rendimentos dos 10% mais ricos, ao contrário, sofreu queda de 4,7%, encolhendo de R$ 3,216 bilhões para R$ 3,065 bilhões no mesmo período. A soma desses rendimentos ainda foi 65,2% maior do que o total recebido pelos 50% de renda mais baixa, mas essa diferença havia sido de 92,3% em 2012 e de 86,7% em 2018.
  • O perfil da distribuição da massa de rendimentos por faixa de ganho mensal também sofreu alteração, ainda que tímida. No caso dos 10% mais ricos, sua participação na massa domiciliar total de rendimentos recuou de 42,8% para 41,6%, o que correspondeu a uma ligeira elevação na fatia destinada aos 50% mais pobres, de 15,6% para 16,8%.
  • Em Goiás, a mudança foi ainda menos relevante, embora tenha ocorrido alguma melhoria. Os 50% mais pobres passaram a responder por 21,2% da massa de rendimentos no ano passado, diante de 19,9% em 2019. Entre os 10% mais ricos, a participação recuou de 35,4% para 34,9%.