Avanço inédito de importações agrava dependência da indústria química

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 04 de novembro de 2021

Mantido o ritmo observado até setembro, a indústria brasileira de produtos químicos, incluindo setores estratégicos para a saúde e para produção de alimentos, tende a encerrar o ano com importações e déficit comercial em níveis recordes. O cenário atual reflete, de um lado, dificuldades e gargalos de curto prazo, acentuados pela desorganização das cadeias globais de produção durante a pandemia, com os problemas arrastando junto a logística internacional, diante da escassez de navios. Os custos em todo o setor entraram em alta, acentuada no caso brasileiro pela desvalorização mais vigorosa do real em relação ao dólar.

Numa visão de mais longo prazo, o agravamento da dependência a importações nesta área, apenas desnudada de forma mais evidente pela pandemia, diante das dificuldades que o País enfrentou para importar insumos básicos para a produção de vacinas, apenas num exemplo, resulta de questões mais estruturais. Décadas de políticas macroeconômicas hostis a toda a indústria, que se viu obrigada a sacrificar investimentos e outras despesas para reduzir custos e tentar preservar sua competitividade, levaram o setor a encolher, desmantelando cadeias produtivas inteiras e abrindo espaço para a entrada de insumos e bens finais importados, transferindo renda e empregos para fora do País.

“O momento é crítico para o setor”, afirma o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Ciro Marino, em relatório recente da instituição. O Brasil, considera ele, terá que “trabalhar com vigor para promover sua reindustrialização”. E isso significa a necessidade de adoção de políticas de apoio à indústria, como tem ocorrido nos principais países. “Nesse exato momento em que as principais economias estão reavaliando suas estruturas industriais e investindo bilhões de dólares para atrair investimentos que possam diminuir o risco de concentração de dependências externas em setores estratégicos, como a química, temos que ser pragmáticos e objetivos”, defende Marino.

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Um País sem projeto

O presidente da Abiquim relaciona, entre outras iniciativas estruturais e de maior fôlego, as discussões nos Estados Unidos em torno do chamado Plano Biden, que propõe incentivos para reestruturar e reforçar a capacidade industrial doméstica e a inovação tecnológica, com recursos na faixa de US$ 1,5 trilhão para a reconstrução da indústria e para promover a transição rumo a uma economia mais verde. E menciona ainda o novo Plano Quinquenal da China, o “New Deal” arquitetado pela Coreia do Sul, ambos igualmente contemplando recursos para investimentos e estímulos fiscais. Todos “são exemplos concretos daquilo que imediatamente temos que fazer pelo Brasil para voltarmos a ter condições de competir internacionalmente”, sustenta ainda. Em conversa com a coluna, Marino relembra ainda que a cadeia de produtos intermediários farmacêuticos cegou a operar no País com mais de 180 fábricas, atualmente resumidas a uma dezena e meia ainda em operação. “Até 2018, a Rhodia Solvay produzia o ácido acetilsalicílico no Brasil e hoje importa o produto”, resume. Literalmente, o País passou a comprar lá fora até aspirina, o que mostra o tamanho da dependência que vai se alargando por aqui.

Balanço

  • O relatório mensal da Abiquim, que acompanha os números da balança comercial do setor, registra que o País “ultrapassou, de maneira inédita e simultânea, duas marcas particularmente alarmantes”, referindo-se às importações realizadas em setembro e ao déficit comercial de US$ 40,3 bilhões acumulado nos 12 meses encerrados naquele mesmo mês. A se manter naqueles níveis, o rombo entre exportações e importações neste ano tende a superar o recorde anterior, registrado em 2013, com saldo negativo próximo de US$ 32,0 bilhões.
  • As importações e produtos e insumos químicos atingiram valores históricos em setembro, aproximando-se de US$ 6,244 bilhões, frente a US$ 4,869 bilhões em igual mês do ano passado, num incremento de 20,3%. O déficit na balança comercial do setor, no mesmo mês, chegou a US$ 4,978 bilhões, crescendo 32,4% em relação a setembro de 2020, quando havia sido de US$ 3,759 bilhões.
  • Nos nove primeiros meses deste ano, a indústria química importou US$ 42,402 bilhões, mais do que em todo o ano passado (US$ 41,374 bilhões) e 39,8% acima dos níveis acumulados entre janeiro e setembro de 2020 (US$ 30,335 bilhões). Nessa mesma toada, não se descarta a possibilidade de as compras externas se aproximarem bastante dos US$ 50,0 bilhões, com o saldo negativo atingindo alguma coisa acima de US$ 40,0 bilhões. Seriam dois resultados inéditos na trajetória do setor, que chegou a responder por 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2004 e teve sua participação reduzida para 2,3% em 2019, segundo números da Abiquim.
  • Se as importações crescem de forma acelerada, as exportações igualmente avançam, mas numa velocidade relativamente mais moderada, praticamente repondo o espaço perdido em 2020. No ano passado, comparadas a 2019, as vendas externas de produtos químicos haviam sofrido baixa de 13,61%, somando US$ 10,958 bilhões frente a US$ 12,685 bilhões um ano antes.
  • Entre janeiro e setembro deste ano, a indústria química exportou US$ 10,200 bilhões, avançando 23,6% em relação ao mesmo período do ano passado (US$ 8,253 bilhões) e já se aproximando do número alcançado nos 12 meses de 2020. O problema é que as exportações, já há alguns anos, têm correspondido a um quarto do valor dispendido em dólares pelo setor para importar insumos e outros produtos químicos.Como consequência, o déficit comercial do setor aumentou 45,8% na comparação entre os nove meses iniciais deste ano e o mesmo intervalo de 2020, saltando de US$ 22,082 bilhões para US$ 32,202 bilhões, igualando-se ao pior resultado do setor, alcançado em 2013.
  • As importações de produtos farmacêuticos e de fertilizantes, incluindo insumos intermediários, experimentaram saltos de 35,8% e de 61,4% respectivamente. No primeiro setor, sempre entre janeiro e setembro de cada ano, as compras passaram de US$ 8,048 bilhões em 2020 para US$ 10,931 bilhões. No segundo caso, foram importados neste ano US$ 9,555 bilhões diante de US$ 5,920 bilhões no ano passado. O déficit comercial na área dos fertilizantes aumentou nada menos do que 62,0%, saltando de pouco menos de US$ 5,80 bilhões para US$ 9,394 bilhões. O rombo na indústria farmacêutica cresceu 41,6%, saindo de US$ 6,944 bilhões para US$ 9,831 bilhões. Somados, os dois setores responderam por 59,7% de todo o déficit da indústria química.