Balanço de riscos e oportunidades indica resultados positivos no campo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 06 de agosto de 2022

Sob condições normais de clima, cenário pouco habitual nos últimos ciclos agrícolas, a safra brasileira de grãos tende a superar uma marca histórica no ano agrícola 2022/23, alcançando entre 300,0 milhões a 310,0 milhões de toneladas, nas projeções de analistas técnicos e consultores do setor. Esse número poderia já ter sido registrado na safra 2021/22, observa André Pessoa, CEO da Agroconsult, mas a produção foi atingida em cheio pelo fenômeno climático La Niña, que frustrou as perspectivas de produção. Ainda assim, o país está concluindo a colheita de aproximadamente 272,5 milhões de toneladas, cerca de 6,7% maior do que na safra 2020/21, no quarto recorde consecutivo nas séries de dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Tem sido um ano “bastante complexo para o setor”, avalia Alexandre Rangel, sócio-líder de consultoria para o setor de agronegócio da EY. Além do clima desfavorável, sobretudo na região Sul e em Mato Grosso do Sul, o setor foi sacudido pela escalada nos custos de produção, em ritmo superior à valorização experimentada pelos preços pagos aos produtores, numa tendência agravada pela guerra entre Rússia e Ucrânia e suas consequências sobre as cadeias de produção de insumos e máquinas, já afetadas desde 2020 pela pandemia da Covid-19, e ainda por turbulências no câmbio. O aumento dos custos de capital, com a alta os juros aqui dentro e no restante do globo, apresenta-se como outro fator de pressão a afetar o setor, acrescentam Felippe Serigati, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro), e Guilherme Bellotti, do Itaú BBA.

Depois de ponderados todos indicadores, no entanto, apontam ambos, o balanço geral continua positivo para o setor, que tem conseguido enfrentar aqueles gargalos e preservar suas margens, como reflexo principalmente de um balanço global ainda bastante apertado entre oferta e demanda. As margens de rentabilidade das principais lavouras, na verdade, retornam a seus níveis de normalidade, depois de alcançarem resultados “espetaculares” nos dois últimos ciclos, na descrição de Bellotti.

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Ponto de inflexão

O setor resiste num momento em que a geopolítica global enfrenta um “grande ponto de inflexão”, a caminho da consolidação do que parecem ser dois blocos hegemônicos, o primeiro formado pelas principais economias ocidentais e o segundo liderado pela China, em franca aproximação com a Rússia, na descrição de Serigati. A enorme e necessária injeção de liquidez durante a pandemia, na sequência das medidas de afrouxamento monetário adotadas na crise de 2008/09, trouxe agora como desafio a necessidade de reverter os excessos e enfrentar uma inflação que ronda níveis históricos, o que já vem se traduzindo num desaquecimento da economia mundial, com efeitos sobre os preços das commodities, que compõem “um universo que não é homogêneo”, conforme Serigati. Na sua visão, os mercados atravessam um processo de “reprecificação” de ativos, que afeta mais as commodities energéticas e metálicas e menos as commodities agrícolas, setor que apresenta “fundamentos muito melhores”. Segundo ele, “apenas o algodão tem operado em queda”.

Balanço

  • O balanço entre oferta e demanda tende a ser manter apertado ao longo do ciclo 2022/23, com baixos estoques de soja e de milho, aponta Bellotti. Nas estimativas do Itaú BBA, tomando como base dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), os estoques de passagem da soja devem se aproximar de 98,0 milhões de toneladas, perto de 26% a demanda global esperada, algo como três meses de consumo, abaixo dos 33% registrados na safra 2018/19. No caso do milho, espera-se um leve recuo dos estoques finais de 312,0 milhões para 308,0 milhões de toneladas entre os ciclos 2021/22 e 2022/23, o suficiente para abastecer o mercado também por praticamente três meses.
  • O aumento nos custos, anota Rangel, deve vir acompanhado por forte demanda global por grãos e proteínas animais, com impacto sobre as exportações do agronegócio, que atingiram novo recorde no primeiro semestre deste ano. Comparadas ao mesmo período de 2021, sob efeito da valorização das commodities no período, as vendas externas do setor cresceram 29,4%, subindo de US$ 61,3 bilhões para US$ 79,3 bilhões, resultado de uma elevação de apenas 1,5% nos volumes embarcados e incremento de 27,5% nos preços médios de venda, com altas para as cotações da soja, do milho e das carnes, entre outros produtos.
  • Na média estimada pelo coordenador de produção agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva, os custos operacionais de produção de soja experimentaram aumento de 45%, com salto de 68% para o milho, cultura que utiliza volumes proporcionalmente maiores de fertilizantes nitrogenados. Ao mesmo tempo, enquanto os preços da soja subiram em média 10% entre maio do ano passado e o mesmo mês deste ano, a saca de milho ficou em torno de 13% mais barata, reforçando os indicativos de “margens bastante estreitas”. O suprimento de fertilizantes, ainda sujeito a incertezas, parece assegurado a se considerar o aumento de 16,3% acumulado pelas importações do insumo no primeiro semestre, saindo de 16,6 milhões para 19,4 milhões de toneladas nos dados do Ministério da Economia. Mas a um custo muito mais salgado, com os preços médios pagos pelo País a seus fornecedores saltando 140,7%, o que levou a um incremento de quase 180% nos valores importados, de US$ 4,59 bilhões para US$ 12,84 bilhões.
  • Ainda assim, os resultados continuariam positivos, na avaliação de Bellotti e de Marcela Marini, analista do departamento de Pesquisa e Análise Setorial do Rabobank Brasil. “O cenário de margens operacionais para a safra 2022/23 aponta para números positivos e até mesmo acima da média dos últimos cinco anos, porém abaixo do que observamos nas duas últimas safras”, comenta Marina. Segunda ela, “o bom resultado obtido durante as últimas safras associado a um cenário positivo para 2022/23 incentivará o produtor a aumentar a área plantada para a próxima safra”, estimando elevação de 4,5% da área plantada de soja, num exemplo.