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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

A grande manobra para “encurralar” o Banco Central e forçar a alta dos juros

A conspiração dos mercados, apoiada amplamente por Roberto Campos Neto, foi desnudada por uma porta-voz do rentismo nacional

Banco Central
Foto: Marcelo Camargo/ABr

Em franca articulação desde o final de abril, a conspiração dos mercados, apoiada amplamente pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, deixa agora mais evidente seu objetivo final: evitar que o governo escolha alguém não alinhado ao setor financeiro para presidir a instituição e definir os rumos da política de juros depois da saída de Campos Neto. A estratégia foi desnudada precisamente por uma das mais badaladas representantes do time austericida e porta-voz do rentismo nacional, em artigo publicado em espaço nobre na seção de economia de um jornalão global.

O raciocínio segue roteiro conhecido: as expectativas de inflação estão “desancoradas”, quer dizer, ameaçam superar ou já ultrapassaram a meta de 3,0% fixada para a inflação neste ano; as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política de juros teriam contribuído para piorar aquelas expectativas, já “enfraquecendo” antecipadamente o mandato do próximo presidente do Banco Central, a ser iniciado apenas em 2025. A escolha de “alguém da atual diretoria”, em substituição a Campos Neto, detona a economista, chefe do time de economistas de uma grande casa de investimentos, não seria uma “boa opção” – obviamente, porque teme-se um nome que não esteja devidamente alinhado aos interesses do setor financeiro.

A solução para esse aparente “dilema”? Evidentemente, definir “rapidamente” um nome de “reputação sólida junto a investidores e de perfil independente” – como se os diretores do Banco Central tivessem reputação duvidosa e estivessem atuando politicamente, numa conclusão sugerida pela autora do artigo. A ideia, como parece nítido, é encurralar o BC e impedir que passe a exercer uma política monetária racional e ajustada aos objetivos mais amplos da política econômica.

Lapsos

Não por esquecimento, a renomada economista deixa de mencionar a atuação mais do que suspeita de Campos Neto nos últimos meses. Para relembrar, a partir da segunda quinzena de abril, o atual presidente da autoridade monetária iniciou sua ofensiva para reverter a política de juros previamente definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), também liderado por ele. Campos Neto passou a abusa de sua vocação para o terrorismo fiscal, contribuindo para aguçar incertezas, influenciar expectativas e congelar, enfim, os juros na economia em níveis estratosféricos. Reuniu-se com plateias selecionadas, em geral compostas por agentes do mercado, grandes empresários e investidores, ligou para banqueiros amigos, como já havia feito em outras ocasiões, e colocou sua diretoria sob forte pressão.

Balanço

-Num cenário de maior turbulência, aqui dentro e lá fora, foram reforçadas as pressões para retomada da alta dos juros, recorrendo ao pretexto de uma piora na tendência para os preços em geral, associada a um aquecimento do mercado de trabalho e da demanda doméstica, o que poderia autorizar um surto de remarcações de preços em toda a economia.

-Não parece ser esta a tendência indicada pelas pesquisas de preços mais recentes realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês passado, aferido pelo entre os dias 29 de junho e 29 de julho, atingiu 0,38%, puxado principalmente pelas altas nos preços da gasolina, do etanol, da energia e das passagens aéreas.

-Como visto, nenhum dos principais focos inflacionários recentes guardam ligação direta com a intensidade da demanda ou com ganhos eventuais de renda das famílias. No caso da gasolina, o aumento reflete o reajuste fixado pela Petrobrás, respondendo a pressões de preço externas e ao aumento do dólar aqui dentro. O maior custo da gasolina puxou o etanol, que tende a acompanhar o mercado do combustível fóssil, seu principal concorrente.

-Desde julho, passou a vigorar a bandeira tarifária amarela, o que acrescentou à conta de luz R$ 1,885 a cada 100 quilowatts/hora consumidos, encarecendo a fatura da energia residencial. Esse movimento foi parcialmente compensado, segundo o IBGE, pela redução média de 2,43% “nas tarifas de uma das concessionárias de energia de São Paulo, a partir de 4 de julho”. No balanço final de todas as praças pesquisadas, a energia apresentou elevação de 1,93% e contribuiu com um quinto na composição do IPCA.

-A gasolina, que havia anotado variação de 0,64% em junho, apresentou elevação de 1,43% nas quatro semanas terminadas em 15 de julho e fechou o período de 30 dias até 29 de julho em 3,15%, respondendo sozinha por 42,3% do IPCA “cheio” – que havia saído de 0,21% em junho para 0,30% até a primeira quinzena de julho (igualmente cobrindo um período de quatro semanas). O etanol, por sua vez, saltou 5,90% em julho, depois de variar apenas 0,34% em junho.

-Reconhecidamente voláteis, os preços das passagens aéreas parecem obedecer muito menos a ciclos econômicos do que a estratégias de marketing e disputa por espaços das companhias aéreas, alternando períodos de forte queda com outros de alta vigorosa. Até junho, os preços médios das passagens vinham em queda muito próxima de 10,0% (na pesquisa do IPCA, baixa de precisos 9,88%). Em julho, observou-se um salto de 19,39% e uma contribuição isolada de 27,8% na formação do índice inflacionário.

-Somados, os quatro itens foram responsáveis por toda a inflação de julho, com variação zero para todos os demais produtos (obviamente, na média considerada pelo instituto). Esse comportamento deveu-se principalmente à queda de 1,0% nos preços de alimentos e bebidas em julho. Para comparação, excluídos os mesmos quatro itens, a variação nos demais setores teria sido de 0,05% na quadrissemana finalizada em 15 de julho. Seguindo idêntica estimativa, o IPCA dos demais setores (exceto gasolina, etanol, energia e passagens aéreas) havia sido de 0,22% em junho.

-Os chamados “serviços subjacentes” (que exclui os grupos comunicação, cursos regulares e passagens aéreas) de fato subiram, mas num avanço menos intenso na medição de julho. Entre o final de junho e a primeira quinzena de julho, o indicador passou de uma taxa mensal de 0,36% para 0,58% (ou seja, 0,22 pontos a mais), passando a indicar variação de 0,63% nos 30 dias do mês passado (elevação de 0,05 pontos, bem menos intensa do que no período anterior).

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