Coluna

BC ainda conservador apesar do corte nos juros (e acha que economia vai crescer)

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 06 de agosto de 2019

O
corte recente de meio ponto porcentual nos juros básicos, que baixaram de 6,5%
para 6,0% ao ano, tende a trazer algum impacto sobre a atividade econômica mais
à frente, mas ainda bastante modesto diante do período bastante alongado de
baixo crescimento e quase estagnação da economia. Obviamente, o impulso poderia
ser mais relevante se os juros tivessem sido reduzidos de forma mais acentuada.
De qualquer forma, ao contrário do que poderia sugerir à primeira vista, essa
redução não significa que o Banco Central (BC) deixou de lado o seu
“conservadorismo” habitual (ou seu servilismo aos mercados).

A
autoridade monetária de fato sinalizou que novo corte, em igual proporção,
poderá ser decidido na reunião de setembro do Comitê de Política Monetária
(Copom), mas não deixou claro se haveria disposição para prosseguir nesse
processo de “distensão” do aperto monetário dali em diante. Na verdade, como já
vem fazendo há meses, o BC tratou de exercitar algo que pode ser entendido até
como certa forma de “chantagem” contra o mundo político. Em síntese, caso o
Congresso não leva adiante as reformas, incluindo, evidentemente, a da Previdência,
o ambiente para novas medidas de afrouxamento nos juros deverão se tornar mais
raras ou simplesmente riscadas do mapa – no que pode ser mais um grande erro de
avaliação do BC.

Nas
ponderações do Copom (que dizer, da alta direção do BC, que compõe o comitê), a
atividade econômica deverá experimentar um segundo trimestre de estabilidade ou
talvez com ligeiro crescimento (a ver). Mas, para o segundo semestre, o banco
espera alguma aceleração, contando com o impacto da liberação dos recursos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep. Descontados esses
“efeitos temporários”, avalia o economista chefe do Itaú Unibanco, Mário
Mesquita (ex-diretor do BC), em relatório divulgado ontem, “o Copom supõe que o
aumento do ritmo de crescimento (…) deve ser gradual”.

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Pensamento
mágico

O
Copom crê, com certo grau de sinceridade, ao que aparenta, que a continuidade
das reformas econômicas será condição suficiente para que os agentes econômicos
(empresas e consumidores, no caso) recuperem a confiança no futuro e voltem a
investir e a gastar, como se houvesse demanda, com renda sobrando para as
famílias, e o custo do crédito para investimentos fosse irrelevante. Esse tipo
de argumento guarda maiores semelhanças com um tipo de pensamento mágico
descrito por psicanalistas em pacientes vítimas de delírio.

Balanço

·  
Na
mesma direção, a equipe do Copom acredita que os juros já se encontrariam em
“terreno estimulativo”, o que significa dizer que os níveis atuais da taxa
básica já representariam um estímulo à atividade econômica.

·  
Até
ali, antes da mais recente investida do presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, contra a China, o Copom considerava que o cenário internacional já
apresentava uma evolução mais benigna, diante da decisão de vários bancos centrais
de criar estímulos adicionais para suas economias, reduzindo juros já em níveis
muito baixos, historicamente.

·  
Se
isso é verdade, o Brasil continuaria sendo o paraíso dos capitais “andorinha”,
que voam de economia em economia em busca de pouso seguro e lucros fáceis e
rápidos. Embora a diferença entre as taxas cobradas por aqui e aquelas
praticadas nas economias mais desenvolvidas tenha se retraído, esta permanece
elevada o suficiente para dar suporte a operações financeiras bastante
lucrativas para o capital sem pátria.

·  
As
incertezas causadas pela guerra comercial e tecnológica entre os EUA e a China
podem de fato turvar o horizonte, ao segurar ainda mais o crescimento do
comércio global. Mas isso apenas ajudaria a derrubar as perspectivas de algum
crescimento para o Brasil, recomendando algo além da cautela excessiva do BC.

·  
Os
mercados apostam numa taxa básica próxima a 5,25% no fechamento deste ano,
elevando-se ligeiramente para 5,50% em 2020. Mesquita, no entanto, acredita que
o BC pode ainda arriscar novos cortes depois de setembro, derrubando os juros
para 5,0%.

Para que os efeitos sobre a atividade econômica
tenham maior duração e dimensão mais relevante, seria necessário manter os
juros nos mesmos 5,0% pelo menos até o final de 2020, pondera o economista
Bráulio Borges.