BC descarta cortes maiores nos juros mesmo diante inflação sob controle

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de setembro de 2023

A ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), formado pela alta direção do Banco Central (BC), demonstrou mais uma vez um déficit preocupante de ousadia, ao descartar uma aceleração no processo de corte nas taxas básicas de juros nos dois últimos encontros agendados para este ano pelo colegiado. Embora a inflação continue dando mostras de bom comportamento, com pressões altistas eventuais concentradas nos preços da gasolina e do diese – e, portanto, sem qualquer relação com o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre oferta e demanda –, o BC reforça, no documento, a “necessidade de uma política monetária contracionista e cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária”.

O texto reforça ainda que a “conjuntura atual”, diante de um processo de esvaziamento de pressões inflacionárias supostamente mais lento do que o necessário para “reancorar” as expectativas de inflação, neologismo preferido dos mercados, “demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”. Por isso mesmo, os membros do Copom decidiram, por unanimidade, manter cortes de meio ponto percentual nas duas próximas reuniões, o que levaria a taxa básica para 11,75%. Nesses níveis, considerando a inflação de 3,90% esperada para os 12 meses de 2024, a taxa real de juros estaria muito próxima de 7,6%, ou seja, não muito distante dos níveis atuais, significando a manutenção da política de arrocho ao crédito por um período mais alongado do que o que pareceria razoável ou desejável.

Arrocho persistente

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Não parece ser esta a avaliação do colegiado, que avalia não existir evidências “de que esteja em curso um aperto além do que seria necessário para (promover) a convergência da inflação para a meta” inflacionária. Para reforçar, o documento deixa bastante claro que “julga como pouco provável uma intensificação adicional do ritmo de ajustes”, até que ocorra uma tal “reancoragem bem mais sólida das expectativas”. As discussões ocorridas na reunião realizada nos dias 19 e 20 de setembro, ainda de acordo com ata, teriam deixado evidente “a necessidade de se manter uma política monetária ainda contracionista pelo horizonte relevante”. No caso, entenda-se como “horizonte relevante” o ano de 2024 e ainda um pedaço de 2025. A despeito de tudo isso, o Copom reconhece que a “inflação ao consumidor segue com uma dinâmica corrente mais benigna”, que a atividade econômica registra mesmo alguma desaceleração “na margem” (no curtíssimo prazo) e que não há pressões salariais no horizonte.

Balanço

  • A partir de outubro, já entrando no trimestre final do ano, esgota-se o tal “efeito deflação” que vem contribuindo para puxar para cima a inflação acumulada em 12 meses. O paradoxo é apenas aparente. Como já analisado neste espaço, os índices negativos registrados mensalmente entre julho e setembro do ano passado, numa queda provocada artificialmente pela redução de impostos sobre energia e combustíveis, principalmente, vêm sendo “substituídos”, no cálculo da inflação acumulada em 12 meses, por taxas positivas observadas naqueles mesmos meses deste ano.
  • Agora mesmo, conforme divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de -0,37% registrado em setembro do ano passado deu lugar a uma taxa positiva de 0,35% na medição realizada entre 15 de agosto e 14 de setembro deste ano, o que fez a inflação em 12 meses elevar-se para 5,0%.
  • Ainda no ano passado, esgotados os efeitos do corte de impostos sobre os preços, a série estatística do IPCA mostra que a inflação chegou a subir para 0,59% em outubro, recuando para 0,41% em novembro e atingindo 0,62% em dezembro. Caso a inflação mantenha-se ao redor dos níveis observados no momento, as chances de uma taxa anual inferior a 5,0% e mais próxima de 4,90% no fechamento deste ano não parecem muito distantes da realidade. Para reforçar, a elevação recente da inflação oficial deveu-se em grande medida às altas nos preços da gasolina e do diesel, que juntos explicaram 83,3% do IPCA-15 de setembro.
  • Excluídos os preços da gasolina e do diesel do indicador, a inflação dos demais setores recuaria de 0,15% nas quatro semanas de agosto para 0,06% nos 30 dias encerrados em 14 de agosto. Na composição do IPCA-15 de setembro, oito entre os nove grupos de despesas acompanhados pelo IBGE anotaram desaceleração no ritmo de alta dos preços ou mesmo queda de preços, como nos casos da alimentação, artigos residenciais e comunicação.
  • Em queda desde a primeira quinzena de junho, ou seja, há três meses e meio, os preços dos alimentos fecharam a quadrissemana finalizada em 14 de setembro com baixa de 0,77%. Os destaques ficaram por conta de quedas nos preços da batata-inglesa (-10,51%), da cebola (-9,51%), do feijão-carioca (-8,13%), do leite longa vida (-3,45%), das carnes (-2,73%) e do frango em pedaços (-1,99%).
  • Os preços dos artigos residenciais vêm já em estabilidade, alternando variações modestas e recuos, desde as duas primeiras semanas de maio, anotando baixa de 0,47% na quadrissemana encerrada em 14 de setembro. Para comparar, a taxa mensal nesta área havia apontado recuo de 0,04% nos 30 dias de agosto. No setor de comunicação, a taxa foi negativa em 0,15% depois de anotar deflação de 0,09% em agosto.
  • Como exceção, os custos das famílias com transportes saíram de uma variação de 0,34% nos 30 dias de agosto para um salto de 2,02% nas quatro semanas terminadas no dia 14 deste mês. A alta, como já registrado, deveu-se aos aumentos de 5,18% nos preços da gasolina e de 17,93% para o diesel.