BC emite moeda, recompra títulos e derruba dívida bruta do setor público

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 01 de junho de 2021

A coleção de dados sobre o desempenho até abril deste ano das contas do setor público consolidado, incluindo governo federal, Banco Central (BC), Previdência, Estados, municípios e estatais, ajuda a desconstruir o discurso montado pela equipe econômica para converter corações e mentes rumo a uma agenda ultraliberal de desmonte do Estado. Em primeiro lugar, ao contrário da retórica do fim do mundo, os números mostram uma redução relativamente importante da dívida bruta do governo geral, explicada em parte por um mero avanço nominal do Produto Interno Bruto (PIB) estimado pelo BC para o período de 12 meses encerrado em abril deste ano e pelo resgate de parte daquela dívida, sustentado – rufem os tambores – por emissões de moeda.

Para ser mais claro, os números mostram a relação óbvia entre crescimento da economia (mesmo que estimado e meramente nominal) e redução proporcional da dívida em relação ao PIB. E, de quebra, ainda permitem concluir que as emissões de moeda estão vetadas somente quando se trata de socorrer a população da miséria e da fome. A dívida recuou 1,17% entre fevereiro e abril deste ano, saindo de R$ 6,744 trilhões para R$ 6,665 trilhões, num corte de R$ 78,969 bilhões em apenas dois meses. Na comparação com o PIB previsto pelo BC, a fatia da dívida bruta baixou de 89,95% para 86,66%, ou seja, 3,29 pontos a menos.

Uma parte proporcionalmente menor desse ajuste para baixo refletiu a revisão das previsões do BC para o PIB, que saiu de R$ 7,498 trilhões em fevereiro para R$ 7,691 trilhões em abril, numa “correção” de R$ 193,189 bilhões. Pode-se creditar esse “crescimento” à dose extra de otimismo endossada pela equipe econômica quando avalia as perspectivas para a economia neste ano. Mesmo assim, e mais uma vez, esses números deixam claro a relação evidente entre as duas variáveis: quando o PIB sobe e a dívida deixa de crescer (e mesmo recua, como agora), a relação entre os dois indicadores cai.

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Negacionismo econômico

Isso significa que o País jamais esteve condenado a desabar num abismo fiscal, com perda total da confiança de empresários e do mercado financeiro, fuga em massa de investidores, retração econômica e inflação em disparada. Faltam disposição e competência para enfrentar a crise instalada na economia, já que isso exigiria a reversão total da política econômica em curso, com abandono das medidas de desmantelamento do setor público e a retomada de políticas para combater o desemprego, elevar a renda das famílias, estimular o consumo e os investimentos. As reformas não vão permitir a recuperação da capacidade de crescimento da economia brasileira. Ao contrário. As reformas da Previdência e trabalhista afetaram de forma negativa a renda, a primeira ao achatar aposentadorias e pensões e a segunda, ao reduzir drasticamente o poder de negociação dos trabalhadores e de seus sindicatos (numa direção contrária a que vem sendo seguida pelo governo Joe Biden, nos Estados Unidos).

Balanço

  • Num exercício hipotético, imaginando que o PIB tivesse se mantido, nos 12 meses terminados em abril, no mesmo nível observado em fevereiro, a relação entre dívida e o total de riquezas produzidas pelo País teria recuado de quase 90,0% para 88,9% (2,24 pontos a menos), por efeito principalmente do resgate pelo BC de títulos em circulação no mercado.
  • Todos os dias, o BC compra e vende títulos no mercado financeiro, seja para injetar ou retirar dinheiro de circulação e manter os juros básicos dentro da meta estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), seja para segurar ou estimular a atividade econômica. Em março e abril, o BC recomprou R$ 136,386 bilhões da dívida bruta. E teve que emitir moeda para resgatar esses papéis, utilizando parte de suas reservas estacionadas na conta única do Tesouro Nacional.
  • Em março, o saldo daquela conta estava em R$ 1,640 trilhão (21,7% do PIB) e foi reduzido em pouco mais de 8,0% em abril, para menos de R$ 1,509 trilhão (19,6% do PIB). Ou seja, em apenas um mês o BC sacou de sua conta no Tesouro algo como R$ 131,470 bilhões, perto de 1,7% do PIB. Esse valor representa, apenas para comparação, quase 40,0% de todo o auxílio emergencial pago pelo Tesouro entre abril e dezembro do ano passado.
  • Em março e abril, ainda, as operações de compra e venda de títulos públicos federais, realizadas pelo BC, resultaram numa emissão líquida de moeda próxima a R$ 126,627 bilhões (algo como 1,65% do PIB previsto pela instituição). Ou seja, uma parte relevante da queda da dívida pública nos dois últimos meses pode ser explicada pela emissão pura e simples de moeda, numa decisão do BC.
  • Na mesma nota distribuída à imprensa, o BC atualizou suas projeções para os indicadores das “elasticidades” das dívidas líquida e bruta do setor público. Em português, numa tradução aproximada, o BC revisou o impacto de algumas variáveis sobre o saldo daquelas dívidas. Assim, conforme a autoridade monetária, a cada ponto porcentual de alta da taxa de câmbio corresponderia a uma redução de R$ 11,3 bilhões na dívida líquida (já que o País é um credor líquido no mercado internacional, ou seja, tem mais créditos a receber do que dívidas a pagar lá fora), mas resultaria em elevação de R$ 7,9 bilhões na dívida bruta.
  • Uma redução da taxa básica de juros em um ponto de porcentagem representaria redução de R$ 32,5 bilhões para a dívida líquida e queda de R$ 31,3 bilhões para a dívida bruta, caso aquela diminuição fosse mantida ao longo de 12 meses. O mercado passou a apostar num aumento dos juros básicos para 5,75% até o final deste ano, ou seja, 3,75 pontos porcentuais maior do que os 2,0% que vigoraram até março. Se a taxa for mantida pelos 12 meses seguintes, o impacto sobre a dívida bruta seria de R$ 117,4 bilhões, aproximadamente, com impacto de quase 14,0% sobre o resultado nominal do setor público acumulado entre maio de 2020 e abril deste ano.

Um aumento de um ponto nos índices de preços, por sua vez, faria a dívida bruta crescer R$ 2,4 bilhões em ano. Na estimativa dos mercados, a inflação oficial deverá subir de 3,42% em 2020 para 5,31% neste ano. Desde que a taxa se mantenha durante todo um ano, o que não parece ser provável, a dívida sofria elevação de R$ 23,4 bilhões. Quer dizer, o estrago causado pela alta dos juros seria cinco vezes maior.