Quinta-feira, 28 de março de 2024

BC mantém juros. Mas gastos nesta área já saltaram 95,8%

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de setembro de 2022

Diante do tamanho do aperto já contratado pela equipe econômica, ao aumentar os juros básicos em 11,75 pontos percentuais desde meados de março do ano passado, a decisão anunciada ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) de preservar a taxa em 13,75% não deverá trazer alívio para o lado real da economia e muito menos para as contas do governo. Em resumo, o crédito continuará muito caro para as empresas e para as famílias, de um lado, e as despesas do governo central com juros continuarão produzindo rombos e pressionando a dívida pública federal.

Ainda sem contabilizar integralmente os efeitos dos dois aumentos mais recentes, decretados nas reuniões do Copom ocorridas em 16 de junho e em 3 de agosto, com vigência, portanto, a partir do dia imediatamente seguinte, os gastos com juros dispararam 76,7% no primeiro semestre deste ano em relação aos mesmos meses do ano passado em termos reais. Já atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aqueles gastos saíram de R$ 144,247 bilhões para R$ 251,958 bilhões – considerando-se apenas os dados do governo federal e de suas estatais.

Ainda em valores corrigidos até junho deste ano, os desembolsos com juros experimentaram um salto de 95,82% em 12 meses, avançando de R$ 283,695 bilhões entre julho de 2020 e junho de 2021 para R$ 555,450 bilhões nos 12 meses seguintes. O gasto consumiu todo o superávit primário acumulado pelo governo nos 12 meses encerrados em junho deste ano. As receitas haviam superado as despesas, em termos reais e excluídos gastos com juros, em R$ 74,144 bilhões naquele período, recursos deslocados para o pagamento dos juros que incidem sobre a dívida pública federal. O restante, algo como R$ 481,3 bilhões em grandes números, foram incorporados ao saldo daquela dívida, que continuou a crescer para fazer frente a juros já exorbitantes.

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Cassino dos juros

Dito de maneira mais clara, uma parte dos impostos arrecadados por todos os contribuintes foi desviada para bancar os ganhos de rentistas que apostam seu dinheiro no cassino dos juros altos. Uma distorção que tem drenado recursos de setores essenciais, como a educação e a saúde, e vem achatando investimentos do setor público federal, desembolsos que poderiam ajudar a injetar ânimo no lado real da economia, criando condições para um crescimento mais equilibrado e sustentado ao longo do tempo. Em tempo, as despesas com juros tendem a avançar nos meses seguintes, já que a taxa básica subiu de 12,75% para 13,25% a partir de 17 de junho, alcançando 13,75% desde 4 de agosto.

Balanço

  • A decisão tomada por sete entre os nove membros do Copom na reunião concluída ontem, mantendo-se os juros básicos nos mesmos 13,75%, portanto, não muda muito o cenário. Dois daqueles membros gostariam de uma elevação adicional de 0,25 pontos a partir de amanhã. Em termos reais, descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses, os juros brasileiros continuam entre os mais elevados do mundo. Essa taxa real saltou de 0,20% no primeiro trimestre do ano passado para 8,19% no terceiro trimestre deste ano, nos cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
  • Como relembra a economista Margarida Gutierrez, professora do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), qualquer empresa que deseje ou necessite levantar recursos no mercado de capitais, com a venda de debêntures, por exemplo, terá que competir com a taxa básica. Essa empresa, lembra ela, terá que oferecer aos investidores eventuais juros equivalentes à taxa que corrige os depósitos interbancários, mais um spread, quer dizer, uma margem adicional para compensar “o tamanho das incertezas na economia”. Até recentemente, os juros futuros para depósitos interbancários com prazo de três anos estavam na faixa de 14,0% ao ano, desestimulando a produção e o investimento privados.
  • A estabilidade enganosa dos juros básicos, agora decretada pelo Copom, ainda poderá mudar mais adiante. No texto distribuído à imprensa, o comitê avisa que “se manterá vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação (em direção às metas inflacionárias)”. Caso essa redução não ocorra ou ocorra em velocidade considerada inadequada, o comitê “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste”. Quer dizer, os juros poderão voltar a subir.
  • Numa visão que contraria o tom de campanha do desgoverno de Brasília, a nota divulgada pelo comitê considera que “a inflação ao consumidor, apesar da queda recente em itens mais voláteis e dos efeitos de medidas tributárias (redução de impostos sobre combustíveis e energia), continua elevada”.
  • Nos Estados Unidos, o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês, que corresponde aproximadamente ao Copom brasileiro) elevou novamente os juros básicos em 0,75 pontos, para um intervalo entre 3,0% e 3,25% ao ano. A expectativa é de novos aumentos, com a taxa caminhando para qualquer coisa em torno de 4,25% a 4,50% até o final do ano.