BC “torra” US$ 20,9 bilhões para segurar dólar entre julho e outubro

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de novembro de 2022

Para aqueles que acreditam em coincidências e mantêm a mesma crença em relação à autonomia e independência do Banco Central (BC), a gestão das reservas internacionais nos últimos meses deveria ao menos suscitar algum tipo de questionamento. A final, nos últimos 12 meses, as reservas internacionais do País, que têm funcionado como verdadeira âncora contra crises cambiais por mais de uma década, registrou perda de praticamente US$ 42,381 bilhões, caindo 11,52% no período, de US$ 367,927 bilhões em outubro do ano passado para US$ 325,546 bilhões no mesmo mês deste ano – o nível mais baixo desde março de 2011, quando havia alcançado US$ 317,147 bilhões.

Quase metade dessa perda, no entanto, algo como US$ 20,857 bilhões, ocorreu no curto período entre o final de julho e outubro deste ano. Apenas para registro, os dólares estacionados nas reservas externas do País encolheram de US$ 346,403 bilhões para aqueles pouco mais de US$ 325,5 bilhões. Foram necessários apenas três meses para que o BC sacasse contra as reservas internacionais o equivalente a 49,21% de todos os dólares gastos num período de 12 meses. Em torno de US$ 2,0 bilhões foram sacados apenas em outubro.

Segundo o BC, a queda em relação a setembro explica-se em função, “primordialmente, de vendas líquidas de US$ 1,0 bilhão em operações de linhas com recompra (quando o BC vende dólares ao mercado sob o compromisso de recomprar a moeda mais adiante), e contribuições negativas das variações de preços, US$ 823 milhões, e de paridades, US$ 166 milhões. A receita de juros totalizou US$ 576 milhões” (valor recebido pelo País a título de remuneração pelos dólares aplicados em ativos no exterior, que incluem títulos soberanos de países com moeda forte, sobretudo Estados Unidos, aplicações em ouro e outras formas de investimento).

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Eleições no radar?

O período extremamente conturbado atravessado pelo País nos últimos meses, com turbulências acirradas pelo desgoverno e sua trupe despudorada, início da campanha eleitoral e um cenário igualmente complicado na área internacional, havia produzido uma disparada nos preços do dólar entre o final de maio e o dia 21 de julho, na série de dados do próprio BC. Convertida em reais, a cotação do dólar experimentou salto de quase 16% naquele intervalo, avançando de R$ 4,72 para R$ 5,47 e mais uns quebrados. No mesmo período, como se recorda, o desgoverno e sua equipe econômica, sob comando do ministro dos paraísos fiscais, passaram a atuar ainda de forma mais destrambelhada, com o propósito único de reverter o resultado que as pesquisas eleitorais já anteviam.

Balanço

  • A partir de junho, em meio a uma série de medidas nitidamente eleitoreiras, o governo federal, com ajuda do Congresso, impôs aos Estados a redução de impostos sobre combustíveis e energia, o próprio governo federal chegou a zerar a cobrança de contribuições sobre a gasolina e o diesel, ao mesmo tempo em que gastos extraordinários foram disparados nas semanas que antecederam as eleições, contrariando a legislação eleitoral e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal (sob silêncio dos tais mercados).
  • Tanto que, até o final deste ano, segundo previsões recentes de especialistas em contas públicas, a despesa primária do governo central deverá estourar o teto de gastos em alguma coisa próxima a R$ 116,2 bilhões. Será o terceiro ano consecutivo de desrespeito ao famigerado teto, que impôs o congelamento virtual dos gastos primários por duas décadas (com a devida exclusão das despesas com juros, que não estão limitadas por teto algum).
  • Além de injetar recursos na economia na tentativa de reanimar o mercado, o governo buscava frear o avanço dos preços, que vinha agravando a carestia e roubando votos especialmente nas faixas de renda mais baixa da população. A redução de impostos de fato funcionou para derrubar a inflação, mas os efeitos foram sentidos muito mais entre as famílias de renda média em função da queda nos preços dos combustíveis.
  • O efeito foi meramente passageiro. A inflação transitou por terreno negativo entre as duas últimas semanas de julho e a quinzena final de setembro, voltando a subir na sequência. A taxa oficial de inflação chegou a ficar negativa em 073% nas quatro semanas encerradas em 15 de agosto, mas avançou para 0,59% nos 30 dias de outubro, mantendo-se ao redor de 0,53% na segunda quadrissemana de novembro (quer dizer, entre as duas últimas semanas de outubro e as duas primeiras deste mês).
  • Quando o BC começou a disparar suas ordens de venda de dólares ao mercado, a moeda norte-americana voltou rapidamente para níveis próximos a R$ 5,18 até o final de agosto. Ao longo de setembro, a cotação experimentou alguma elevação, fechando o mês em pouco menos de R$ 5,41 – o que havia correspondido a uma variação de 4,39% em 30 dias, às vésperas do primeiro turno. Nos dias seguintes, até 21 de outubro, o dólar variou ao redor de R$ 5,20, iniciando mais uma tendência de elevação que levaria o câmbio a subir aproximadamente 3,0%, para quase R$ 5,35 no dia 28 do mesmo mês, dois dias antes do segundo turno. Para registro, no fechamento de ontem, sexta-feira, dia 25, o dólar fechou em R$ 5,35. Entre oscilações, altos e baixos, a cotação manteve-se nos mesmos níveis de 28 de outubro. Nada garante que não haverá novas altas (ou quedas), ao sabor das especulações e das jogadas usualmente arranjadas pelos mercados para – surpresa, surpresa – ganhar dinheiro.