Benefícios fiscais superam arrecadação da indústria

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de julho de 2023

Nos últimos três anos e meio, os benefícios concedidos pelo governo de Goiás à indústria atingiram algo perto de R$ 20,046 bilhões, valor por si já nababesco, especialmente quando se considera toda a retórica fomentada pela gestão estadual em relação ao cenário supostamente dramático na área fiscal – o que levou à execução de uma dura política de ajuste ao longo do período, com o governo recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento do serviço de sua dívida à União e optando por aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em agosto de 2021.

O cenário complica-se um pouco mais diante dos dados oficiais sobre a arrecadação de impostos no setor industrial. Segundo estatísticas da Secretaria da Economia, Entre 2020 e junho deste ano, a indústria recolheu ao fisco estadual qualquer coisa acima de R$ 18,643 bilhões, valor em torno de 7,0% mais baixo do que todo o incentivo recebido no mesmo período. Em valores nominais, a indústria recebeu um “troco” de R$ 1,402 bilhão desde janeiro de 2020. Parece evidente que esse já seria motivo suficiente para que o setor se oponha à reforma tributária, que concentra toda a cobrança de impostos e contribuições sobre bens e serviços nos mercados de destino, interrompendo a farra fiscal.

Sobre o mesmo tema, há um dado pouco considerado no debate sobre a reforma e na oposição ferrenha movida pelo governo estadual ao novo regime de tributação agora em discussão no Senado. Os Estados não estarão proibidos de adotar políticas de atração de investimentos, ao contrário do que se alardeia. A grande questão é que essas políticas agora terão se basear, aprovada a reforma, em recursos orçamentários, o que traria maior transparência para os incentivos fiscais, deixando claro para a população o tamanho da renúncia de receitas e seus impactos sobre as políticas públicas. Esse impacto atualmente fica dissimulado pela concessão de benefícios que tomam como base, em boa parte, a renúncia de receitas futuras, por meio da concessão de créditos outorgados, redução da base de cálculo de impostos e benefícios disfarçados de financiamentos que jamais serão pagos ao Estado.

Continua após a publicidade

Menos incentivos

Neste ano, a queda de receitas parece ter obrigado a uma redução também no valor dos benefícios concedidos ao setor industrial. A arrecadação bruta da indústria caiu de R$ 3,395 bilhões na primeira metade do ano passado, em valores nominais, para R$ 2,888 bilhões nos seis primeiros meses deste ano, baixando 14,93%, numa perda de R$ 507,041 milhões. Os benefícios contratados, de seu turno, saíram de R$ 3,303 bilhões, em valores arredondados, para R$ 2,481 bilhões, despencando 24,87% (numa redução correspondente a R$ 821,440 milhões). Os dados mostram uma redução mais do que proporcional dos incentivos, aparentemente refletindo o baixo desempenho da produção industrial no Estado neste ano e as taxas de juros extorsivas em vigor no País, o que tem contribuído para adiar planos de investimento e afugentar investidores.

Balanço

  • A relação entre benefícios e arrecadação manteve-se desequilibrada durante a maior parte do período analisado, com flutuações ao longo dos anos. Em 2020, os incentivos contratados foram 12,26% mais elevados do que o total arrecadado pela indústria, somando R$ 4,714 bilhões diante de uma arrecadação de R$ 4,199 bilhões. No ano seguinte, a relação baixou suavemente para 8,77%, já que a arrecadação experimentou salto de 30,47%, aproximando-se de R$ 5,479 bilhões, enquanto os benefícios subiram 26,42%, para pouco mais de R$ 5,959 bilhões.
  • O comportamento daquelas duas variáveis alterou-se em 2022, com a arrecadação avançando em velocidade menos intensa do que a contratação de benefícios fiscais. No primeiro caso, as receitas arrecadadas pelo Estado no setor industrial atingiram R$ 6,077 bilhões, crescendo 10,93%. Mas o total dos benefícios aumentou 15,64%, somando perto de R$ 6,891 bilhões – ou seja, 13,40% maiores do que os valores arrecadados pelo setor.
  • Numa série mais longa e considerando o total de incentivos fiscais concedidos a todos os setores da economia, as distorções permanecem. Entre 2018 e 2022, as empresas em operação no Estado contrataram benefícios no valor de praticamente R$ 46,121 bilhões. A receita corrente líquida do Estado, segundo dados do portal Goiás Transparente, somou algo próximo a R$ 140,941 bilhões no mesmo período. Isso significa que os incentivos foram correspondentes a quase um terço de toda a receita (mais precisamente, a relação ficou em 32,72%).
  • Em 2010, para uma receita corrente líquida de R$ 10,047 bilhões, os benefícios haviam somado qualquer coisa ao redor de R$ 2,551 bilhões, significando 25,39% da receita. Essa relação chegou a 36,04% em 2014, com receitas de R$ 15,736 bilhões e incentivos na faixa de R$ 5,671 bilhões.
  • Nos anos seguintes, as estatísticas registam alguma redução naquele percentual, numa série que pode ser sofrido alterações de rota por conta, primeiro, da recessão sofrida pela economia entre 2015 e 2016 e, na sequência, pela pandemia de 2020 e 2021. O dado é que a participação dos incentivos nas receitas manteve-se acima da relação observada no início da década passada, como consequência do avanço das políticas de distribuição de privilégios fiscais de receitas a pretexto de atrair investimentos.
  • Em 2018, com receitas girando em torno de R$ 21,298 bilhões, os benefícios chegaram a somar R$ 7,291 bilhões, correspondendo a 34,23% daquele primeiro valor. No ano passado, a relação recuou para 31,23%, já que as receitas haviam somado R$ 37,208 bilhões diante de incentivos superiores a R$ 11,620 bilhões. Entre 2010 e 2022, sempre em valores nominais, a receita corrente líquida acumulou aumento de 270,3% frente a um salto de 355,6% na conta dos benefícios fiscais.