Bons números na área externa sugerem que juros já poderiam estar mais baixos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de abril de 2023

Os bons resultados na área externa reforçam a percepção de erro na condução da política de juros no Brasil. Os números favoráveis sugerem que a taxa básica poderia e deveria ser mais baixa. As estatísticas divulgadas ontem pelo Banco Central (BC) apenas reafirmam a inexistência de problemas de maior gravidade no front externo, já que o País continua como credor líquido em dólares, passou a registrar mesmo algum recuo no saldo de sua dívida externa bruta e alguma recuperação nas reservas internacionais, depois de forte queda desde a segunda metade de 2019. Adicionalmente, o déficit na conta de transações correntes desabou no primeiro trimestre deste ano. Tudo isso a despeito do acirramento das tensões internacionais envolvendo Estados Unidos, Rússia e China, nada menos do que três das maiores potências globais.

A ausência de obstáculos dignos de nota na área externa dispensaria a prática de juros excessivamente elevados, já que o País não precisa de atrair mais dólares do que já dispõe para honrar seus compromissos internacionais, num diagnóstico reforçado pelo fato de que as pressões inflacionárias domésticas têm vindo mais pelo lado da oferta, que a imposição de juros estratosféricos tende a inibir ao desestimular o investimento privado. O desempenho das contas externas brasileiras, a bem da verdade, tem sido favorável desde o ajuste promovido ao longo da primeira década do século, com nitidez maior a partir dos anos finais daquele período.

Em dezembro de 2000, o País acumulava US$ 33,011 bilhões em suas reservas, o correspondente a apenas oito meses de importações de bens e mercadorias e ainda a 5,60% do Produto Interno Bruto (PIB). O tamanho das reservas aumentou quase nove vezes até 2010, alcançando a marca de US$ 288,575 bilhões, algo como 13,9% do PIB, e praticamente 43% mais do que tudo o que o País importou nos 12 meses daquele ano. As reservas atingiram US$ 388,092 bilhões em junho de 2019, aproximando-se de 20,9% do PIB.

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Credor do mundo

Desde então, as reservas haviam sofrido baixa de 16,3% até dezembro de 2022, com perdas de US$ 63,389 bilhões para as reservas, que chegaram a cair para US$ 324,703 bilhões (16,9% do PIB), o ponto mais baixo desde março de 2011. No primeiro trimestre deste ano, houve alguma recuperação, variando 5,1% até março passado, quando somaram US$ 341,158 bilhões, algo como 17,4% do PIB, o suficiente para assegurar o pagamento de juros e amortizações durante quase três anos, caso todos os fluxos de entrada de dólar no País fossem interrompidos subitamente. Mais ainda: os dólares estocados pelo Brasil em suas reservas superavam com folga todo o valor da dívida externa bruta, então na faixa de US$ 319,093 bilhões. Caso fosse obrigado a usar todas as suas reservas para saldar aquele passivo, o País ainda receberia de troco alguma coisa em torno de US$ 41,318 bilhões, perto de 2,1% do PIB, o que mantém o Brasil como credor internacional líquido.

Balanço

  • Para além de todos aqueles números amplamente favoráveis, a dívida externa bruta vem recuando nos últimos 12 meses, saindo de US$ 328,995 bilhões em março do ano passado, medida em quase 19,3% do PIB, para aqueles US$ 319,093 bilhões registrados no mesmo mês deste ano, perto de 16,3% do PIB, o que correspondeu a uma diminuição de US$ 9,902 bilhões no período, ou seja, uma redução de 3,0% na mesma comparação – modesta, mas que se soma aos indicadores positivos das contas externas.
  • As dívidas de curto prazo, incluindo as amortizações da dívida de longo prazo a vencer nos próximos 12 meses, encolheram mais fortemente, ensaiando uma redução de 8,14% entre março de 2022 e o mesmo mês deste ano e baixando de US$ 194,830 bilhões para US$ 178,972 bilhões (US$ 15,858 bilhões a menos).
  • Excluídas as amortizações, o endividamento de curto prazo recuou de 24,37% para 21,59% da dívida bruta total, passando de US$ 80,177 bilhões para US$ 68,897 bilhões – um tombo de 14,07% (quer dizer, uma queda de US$ 11,280 bilhões). A dívida de longo prazo avançou marginalmente, variando apenas 0,55% (de US$ 248,818 bilhões para US$ 250,196 bilhões).
  • O setor público brasileiro reduziu seu endividamento em 6,34%, cortando o saldo devedor no exterior em US$ 8,073 bilhões e contribuindo para a redução da dívida externa total. Nesta área, o saldo devedor caiu de US$ 127,428 bilhões para US$ 119,355 bilhões (sempre entre março de 2022 e março deste ano).
  • No setor privado, incluindo o sistema financeiro, empresas e famílias, a dívida externa anotou variação quase nula, num recuo de 0,91% naquela mesma comparação, baixando de US$ 201,567 bilhões para US$ 199,738 bilhões (menos US$ 1,829 bilhão). O setor passou a responder por 62,6% da dívida externa bruta, o que se compara com 61,27% em março do ano passado.
  • O saldo negativo da conta de transações correntes, que reúne todas as transações realizadas entre o Brasil e os demais países do globo, despencou 28,65% entre os primeiros três meses deste ano e o trimestre inicial de 2022, com o déficit encolhendo de US$ 16,567 bilhões para US$ 11,821 bilhões. Em relação ao PIB do período, na projeção do BC, o saldo negativo saiu de 3,73% para 2,42% do PIB.
  • A redução no déficit decorreu principalmente do salto de 52,6% no superávit da balança comercial, considerando apenas a diferença entre exportações e importações de bens e mercadorias. O saldo nesta área avançou de US$ 8,295 bilhões para US$ 12,657 bilhões, numa variação de US$ 4,362 bilhões, valor muito próximo da redução de US$ 4,746 bilhões experimentado pelo déficit em transações correntes. Mais objetivamente, o aumento no saldo comercial respondeu por 91,9% na melhoria do déficit em transações correntes.
  • O aumento no superávit comercial, na contabilidade adotada pelo BC para aferir o comportamento do balanço de pagamentos, veio como consequência de uma estagnação nas importações, que saíram de US$ 65,114 bilhões para US$ 65,058 bilhões. As exportações variaram 5,87%, passando de US$ 73,408 bilhões para US$ 77,715 bilhões.