Carta aberta do BC visa manter alta continuada dos juros básicos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 12 de janeiro de 2022

Como já largamente antecipado, a inflação estourou a meta de 3,75% fixada para este ano (ou de 5,25% se considerada a margem de tolerância de 1,5 ponto de porcentagem) e atingiu a taxa mais elevada desde 2015, saltando de 4,52% em 2020 para 10,06%. Mais da metade da alta deveu-se aos aumentos nos preços da gasolina, etanol e diesel, gás de cozinha (em botijão e encanado) e energia elétrica, num comportamento explicado pelos aumentos do petróleo lá fora, por um regime pluviométrico negativo, levando ao esvaziamento dos reservatórios e deixando o País à beira de um colapso energético, e, marginalmente, à quebra na safra de cana de açúcar, o que afetou a capacidade das usinas de produzir etanol. Os demais preços subiram, mas num ritmo menos intenso, embora tenham mantido a tendência de elevação no último mês do ano, carregando preocupações adicionais para o começo deste ano.

O estouro da meta, como determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em sua política de metas inflacionárias, obrigou o Banco Central (BC) a escrever carta aberta explicando os motivos que levaram o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a apresentar variação de dois dígitos ao longo do ano recém-concluído. Na visão do BC, o “desvio” inflacionário em relação à meta poderia ser explicado por três fatores centrais, a começar pela “forte elevação” dos preços dos bens exportados (e importados) pelo País em função da escalada dos preços das commodities, incluindo ainda os aumentos das tarifas de energia e “desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos”, relacionados a “gargalos nas cadeias produtivas globais”.

Os argumentos fazem sentido, mas parcialmente. Os desencontros entre oferta e demanda em todo o mundo são atribuídos pelo BC a “mudanças no padrão de consumo causadas pela pandemia”, já que as “políticas expansionistas” (juros negativos, ou seja, inferiores à inflação, oferta massiva de crédito na economia e transferências de renda aos mais vulneráveis, ambas lastreadas em emissões de moeda) teriam estimulado um crescimento aparentemente desproporcional na demanda por bens. Como a pandemia havia causado a interrupção momentânea na produção daqueles bens, a demanda crescente teria levado ao aumento nos preços no setor.

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Baixa demanda

O cenário desenhado pelo BC parece refletir processos em andamento de forma mais nítida no mercado internacional, mas há dúvidas sobre se esses mesmos processos estariam em curso aqui dentro. Os custos industriais, conforme o IBGE, haviam acumulado um salto de 28,86% nos 12 meses encerrados em novembro, diante de uma variação de 10,74% acumulada no mesmo período pelo IPCA. Ainda dentro do IPCA, os preços industriais chegaram a subir 11,3% também nos 12 meses terminados no mesmo mês de novembro. Houve alta substancial sim, mas a discrepância entre as duas variáveis sugere que a indústria não tem conseguido repassar integralmente os aumentos de custos para os preços finais cobrados ao consumidor exatamente por falta de demanda, lembrando que a produção industrial havia atingido em novembro o sexto mês consecutivo de baixa.

Balanço

  • A análise desenvolvida pelo BC cria justificativas para a manutenção e mesmo para o incremento da política de juros altos, com o duplo objetivo de esfriar ainda mais a economia e atrair dólares que poderiam segurar as flutuações acentuadas da taxa de câmbio, desestimulando aumentos de preços na economia.
  • Analisados em conjunto, os preços da gasolina, do etanol, do óleo diesel, do gás de cozinha e da energia elétrica saíram de uma variação de 0,49% em 2020, quando responderam por 10,8% do IPCA de 4,52% acumulado nos 12 meses daquele ano, para 5,54% no ano seguinte. Aqueles itens responderam, portanto, por pouco mais de 55,0% do IPCA de 2021. Por aproximação, os demais preços na economia teriam registrado uma “taxa de inflação” de 4,52% no ano passado, saindo de 4,03% em 2020 – ou seja, um acréscimo de 0,49 pontos de porcentagem, representando 8,84% da elevação observada para a taxa geral de variação dos preços (5,54 pontos, considerando-se que o IPCA saiu de 4,52% para 10,06%).
  • A “inflação” dos combustíveis, gás de cozinha e energia observou elevação de 5,05 pontos de porcentagem, correspondendo a quase 91,2% do avanço registrado pelo IPCA entre 2020 e 2021, utilizando a ponderação apresentada pelo IBGE em seu site.
  • Mais claramente, os dados do instituto não parecem corroborar o diagnóstico de uma inflação causada por pressões de demanda. Quer dizer, a alta nos preços ao longo do ano passado parece mais associada a choques gerados por aumentos de custos, especialmente combustíveis e energia. No segundo caso, os aumentos já ficaram para trás – o que não significa que a energia residencial teria sofrido redução. As tarifas simplesmente pararam de subir na mesma velocidade anterior.
  • No caso dos combustíveis, a Petrobrás já anunciou novos aumentos para a gasolina (4,85%) e para o diesel (8,08%) nas refinarias a partir de hoje, quarta-feira. Nos últimos 30 dias, os preços do barril do petróleo tipo West Texas Intermediate (WTI) subiram perto de 13,5%, com avanço de 11,4% para o Brent (petróleo extraído no Mar do Norte, nas costas do Reino Unido).
  • Os preços dos bens industriais, de volta ao IPCA, acumularam alta de 11,9% no ano passado, o que se compara com uma elevação de 3,2% em 2020. Parte relativamente importante desse aumento, no entanto, esteve associado ao salto nos preços do etanol, que haviam subido apenas 1,81% em 2020 e dispararam no ano seguinte, acumulando aumento de 62,23%. Aqui, a quebra na produção não parece explicar totalmente o vigoroso aumento observado. Os preços do etanol sofrem influência direta dos aumentos da gasolina, sua concorrente direta no mercado doméstico de combustíveis.