“Cassino” de juros atrai quase US$ 60,0 bilhões em oito meses

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de setembro de 2023

O ingresso de recursos estrangeiros destinados a aplicações em títulos de dívida emitidos pelo setor público e empresas privadas aqui dentro experimentou um salto de 68,0% na comparação entre os primeiros oito meses deste ano e igual período do ano passado. A série estatística do Banco Central (BC), que ontem divulgou os dados das contas externas do período, mostra que a entrada de dólares no “cassino” brasileiro dos juros altos saltou de US$ 35,459 bilhões para US$ 59,574 bilhões, quer dizer, US$ 24,115 bilhões a mais. Foi a maior volume de ingressos para o período desde 2019, quando o BC registrou o desembarque de US$ 76,709 bilhões no mercado doméstico de títulos de dívida.

Entre janeiro e agosto deste ano, o mesmo mercado anotou retiradas (saídas) de US$ 53,719 bilhões, correspondendo a um incremento de 21,05% em relação aos US$ 44,378 bilhões que havia deixado o País no mesmo período do ano passado. Como os ingressos foram maiores, o saldo líquido entre entradas e saídas atingiu US$ 5,855 bilhões, numa reviravolta em relação aos oito primeiros meses de 2022, quando o mercado de dívida havia sofrido uma retirada líquida de US$ 8,919 bilhões. A troca de sinais entre um ano e o seguinte, considerando as entradas líquidas (descontados os dólares remetidos para fora pela especulação local e internacional), correspondeu a US$ 14,774 bilhões.

Se incluídas as operações realizadas com papéis brasileiros no exterior, os investimentos líquidos em títulos de dívida saltaram 186,3% entre agosto do ano passado, quando haviam somado apenas US$ 725,820 milhões, subindo para US$ 2,078 bilhões (ou seja, US$ 1,352 bilhão a mais). Em oito meses, o País recebeu US$ 10,250 bilhões neste ano, ao mesmo tempo em que, em igual período do ano passado, havia sido registrada a saída de US$ 13,813 bilhões, o que representou uma reviravolta de US$ 24,063 bilhões.

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Especulação global

Ao mesmo tempo, os investimentos diretos realizados por estrangeiros no Brasil continuaram em baixa, despencando 57,36% em agosto, de US$ 10,014 bilhões em 2022 para US$ 4,270 bilhões no mesmo mês deste ano. No acumulado entre janeiro e agosto, o investimento encolheu de US$ 59,205 bilhões para US$ 37,879 bilhões, em baixa de 36,02% (menos US$ 21,326 bilhões). A queda ficou concentrada, nos dados acumulados em oito meses, nos investimentos em participação no capital, quando o investidor estrangeiro investe em empresas sob seu controle para aumentar sua capacidade de investir ou, alternativamente, compra participação em outras empresas com o objetivo também de financiar novos investimentos, salvo distorções e desvios. Esse tipo de investimento baixou de US$ 52,099 bilhões para US$ 35,866 bilhões, retrocedendo 31,2% (quer dizer, US$ 16,233 bilhões). As operações entre matrizes e filiais de empresas estrangeiras, um dos componentes do investimento externo aqui dentro, desabaram 71,66% entre 2022 e 2023, caindo de US$ 7,107 bilhões para US$ 2,014 bilhões, sempre entre janeiro e agosto de cada exercício, representando US$ 5,093 bilhões a menos. Como mostram os dados, a especulação global tem suplantado com folga o investimento estrangeiro, que poderia injetar maior fôlego na atividade econômica doméstica.

Balanço

  • No caso das operações entre companhias, as matrizes de empresas no Brasil remeteram a suas filiais no exterior perto de US$ 11,198 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, o que representou um salto de 82,35% frente a US$ 6,141 bilhões remetidos em idêntico período do ano passado, com a saída de US$ 5,057 bilhões a mais nessa comparação. Essas operações responderam por quase todo o desempenho negativo das transações entre companhias e também contribuíram com 23,7% para a queda do investimento direto total.
  • Considerando o investimento estrangeiro total, enquanto as entradas de dólares recuaram 9,33% entre os oito primeiros meses deste ano e o mesmo intervalo de 2022, de US$ 106,698 bilhões para US$ 96,739 bilhões (significando US$ 9,958 bilhões a menos), as saídas cresceram mais aceleradamente, em alta de 23,94%. Foram retirados do País em torno de US$ 58,860 bilhões entre janeiro e agosto deste ano diante de US$ 47,492 bilhões no mesmo intervalo do ano passado, num incremento de US$ 11,368 bilhões.
  • No balanço geral, a conta de transações correntes do País, que resume as transações do Brasil com o restante do mundo, mostraram sensível melhora como decorrência principalmente no salto no superávit da balança comercial (exportações menos importações). Esse resultado, no entanto, esteve associado principalmente a uma redução das importações de bens, sinalizando algum nível de baixo dinamismo da atividade doméstica.
  • Entre agosto do ano passado e o mesmo mês deste ano, o déficit na conta de transações correntes foi reduzido em alguma coisa próxima de US$ 6,237 bilhões, desabando de US$ 7,016 bilhões para meros US$ 778,416 milhões, num tombo de 88,9%. Pouco mais de 81,0% dessa melhora podem ser atribuídos à balança comercial, que registrou superávit recorde para o mês de US$ 7,618 bilhões, saltando 198,5% diante de US$ 2,552 bilhões em igual mês de 2022 (ou seja, US$ 5,066 bilhões a mais). Enquanto as exportações quase não saíram do lugar, numa variação de apenas 0,84% (saindo de US$ 31,171 bilhões para US$ 31,432 bilhões), as compras externas caíram 16,8%, passando de US$ 28,619 bilhões para US$ 23,814 bilhões, baixando US$ 4,805 bilhões em valores absolutos – o que significa dizer que 94,8% do aumento no superávit comercial naquele mês vieram da redução das importações.
  • Entre janeiro e agosto, o déficit em transações correntes anotou baixa de quase 30,0% e caiu de US$ 27,742 bilhões no ano passado para US$ 19,459 bilhões (US$ 8,283 bilhões a menos). O superávit na balança comercial cresceu 58,6% na mesma comparação, avançando de US$ 32,505 bilhões para US$ 51,552 bilhões (quer dizer, US$ 19,047 bilhões a mais). Em oito meses, o saldo já é 16,8% maior do que o superávit acumulado nos 12 meses do ano passado, quando a “sobra” de dólares na balança comercial havia alcançado US$ 44,153 bilhões.
  • As exportações mais uma vez avançaram apenas 0,57%, de US$ 227,090 bilhões para US$ 228,374 bilhões, enquanto as importações caíram 9,13%, de US$ 194,584 bilhões para US$ 176,822 bilhões (US$ 17,762 bilhões a menos, respondendo por 93,2% na melhoria na conta de transações correntes).
  • As contas externas foram favorecidas ainda pelo barateamento do frete internacional, diante da normalização das cadeias de suprimento, severamente abaladas durante os anos de pandemia. A despesa líquida Brasil com fretes, já descontadas eventuais receitas na mesma área, registrou baixa de 38,6%, saindo de US$ 10,456 bilhões para US$ 6,421 bilhões na comparação entre os oito meses iniciais de 2022 e deste ano.