Coluna

Com apoio do BC, “riqueza” dos donos do dinheiro supera toda a dívida bruta

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de setembro de 2020

A
indústria de fundos de investimento recuperou-se rapidamente da queda
experimentada entre fevereiro e março deste ano e passou a registrar em agosto
passado patrimônio líquido de R$ 5,034 trilhões, perto de R$ 312,285 bilhões a
mais do que no encerramento do primeiro trimestre deste ano, numa alta de 6,2%
em cinco meses, segundo levantamento da consultoria Economática com base em
dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de
Capitais (Anbima). Na passagem de fevereiro para março deste ano, os fundos
chegaram a perder R$ 28,886 bilhões, com o patrimônio líquido recuando de quase
R$ 4,979 trilhões para pouco menos de R$ 4,722 trilhões. O recuo foi mais do
que compensado pelos ganhos a partir de março, no mesmo momento em que o lado
real da economia afundava em sua pior crise em toda a história recente, o que
apenas reforça o descasamento do setor financeiro em relação a todo o restante
da economia. A ponto de a soma de todas as aplicações financeiras ser
recorrentemente maior do que a dívida de todos os governos no País.

O
Banco Central (BC) respondeu prontamente e injetou no setor financeiro algo
perto de R$ 1,274 trilhão, em torno de 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB),
entre empréstimos diretos a instituições financeiras, liberação de depósitos
compulsório e outras medidas de socorro ao setor. O objetivo: evitar que
títulos em poder dos bancos, corretoras, financeiras e de seus fundos de
investimento perdessem valor diante do aumento da volatilidade e dos riscos em
todo o mercado. A celeridade, obviamente, contrasta com os atropelos e a demora
da equipe econômica para socorrer empresas, trabalhadores e suas famílias.
Tratava-se, afinal, de salvar a “higidez” do sistema e preservá-lo de uma crise
por suposta falta de reais (liquidez).

O
patrimônio líquido da indústria de fundos, que inclui aplicações em renda fixa,
ações, fundos de previdência, dólar e outras moedas estrangeiras e os chamados
fundos multimercados (que reúnem investimentos em diversos papéis, desde ações,
certificados de depósitos bancários, títulos públicos ou privados, câmbio e até
derivativos), aumentou 49,5% desde janeiro de 2017. O crescimento acumulado até
agosto deste ano foi quase duas vezes maior do que a variação do Índice Geral
de Preços do Mercado (IPG-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que
experimentou alta de 25,06% em igual período. Na comparação com o PIB, o
patrimônio dos fundos passou a representar alguma coisa ligeiramente acima de
70,0% em agosto deste ano, o que se compara com menos de 57,0% em 2017 e em
torno de 64,4% em março deste ano. Em outro exercício, apenas como referência,
a dívida bruta do governo geral apresentou variação de 41,16% desde janeiro de
2017.

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Caminho para o
ajuste

Incluindo
outros ativos financeiros, como a poupança e operações compromissadas com
títulos públicos e privados (venda com compromisso de recompra à frente e
vice-versa), o saldo da “riqueza” financeira acumulada pelos donos do dinheiro
no País atingiu em julho R$ 7,397 trilhões, superando não apenas todo o estoque
da dívida dos governos como também toda a riqueza que o lado real da economia
conseguiu gerar no espaço de um ano. Segundo estimativa do BC para o PIB
acumulado nos 12 meses terminados em julho deste ano, aquela montanha de
dinheiro passou a representar 103,1% de tudo o que o País produziu. A dívida
bruta, ainda em julho passado, havia atingido R$ 6,210 trilhões, perto de 86,5%
do PIB. Apenas como hipótese, para “estimular” o debate, se o total dos ativos
que circulam no mercado financeiro pudesse ser mobilizado para cobrir a dívida
dos governos, ainda restaria um “troco” de R$ 1,187 trilhão (16,5% do PIB). É
claro que esta possibilidade não está disponível, mas serve como referência
quando se trata de discutir a política fiscal e as opções para o ajuste que se
fará necessário depois de debelada a pandemia e com a economia recuperada. Sob
este ponto de vista, uma taxação mais severa sobre ativos financeiros parece
fazer muito mais razão.

Balanço

·  
De
volta à indústria de fundos, os dados da Economática mostram que os fundos
multimercados e de ações tiveram melhor desempenho na comparação entre agosto
do ano passado e o mesmo mês deste ano. Os primeiros registraram uma captação líquida
de R$ 115,760 bilhões, passando a acumular um patrimônio líquido de 1,330
trilhão. Em um ano, o crescimento foi de 9,5%.

·  
Os
fundos de ações, proporcionalmente, tiveram melhor desempenho, com avanço de
21,2% em seu patrimônio líquido, para R$ 526,024 bilhões em agosto deste ano,
respondendo a uma captação líquida de R$ 91,885 bilhões – o que tem aquecido os
negócios com ações e contribuído para que a Bolsa de Valores sustente
desempenho muito positivo em meio ao desmanche de setores inteiros da economia.

·  
Embora
apresentem o maior patrimônio do setor, os fundos de renda fixa perderam
praticamente R$ 41,930 bilhões nos 12 meses até agosto passado, acumulando R$
2,192 trilhões em aplicações, significando um recuo de 1,88% em relação ao
mesmo mês do ano passado.

·  
Considerando
todo o estoque de ativos financeiros, agora com base em dados do BC, o ritmo de
crescimento chegou a apresentar aceleração durante a pandemia, especialmente
por conta dos títulos privados. Nos sete meses entre julho de 2019 e fevereiro
deste ano, aquele saldo havia registrado variação de 4,7%, passando de R$ 6,543
trilhões para R$ 6,806 trilhões. Como proporção do PIB estimado pelo BC, a
relação chegou a baixar e 92,34% para 93,04%.

·  
Na
crise, não apenas as aplicações cresceram, mas o PIB encolheu, o que fez elevar
a níveis recordes a relação entre ativos financeiros e as riquezas produzidas
pela economia real. Analisado em termos nominais, com base nas projeções do BC,
o PIB baixou de R$ 7,315 trilhões nos 12 meses encerrados em fevereiro deste
ano para R$ 7,177 trilhões em julho (queda de 2,2%).

·  
No
mundo das finanças, os donos do dinheiro passaram a movimentar R$ 7,397
trilhões em julho, como visto, perto de R$ 591,305 bilhões a mais do que em
fevereiro, numa alta de 8,7% em cinco meses. Em relação ao PIB, o estoque da
“riqueza financeira” subiu para aqueles 103,1% (ligeiramente acima dos 102%
registrados em junho).

·  
Ainda
entre fevereiro e julho, enquanto as aplicações em títulos federais baixaram
8,4%, para R$ 392,018 bilhões, refletindo a queda nos juros, os investimentos
em títulos privados emitidos pelo sistema financeiro nacional aumentaram 21,6%,
somando R$ 2,183 trilhões. Mas as operações compromissadas com títulos federais
aumentaram 7,5%, para R$ 136,410 bilhões.