Commodities sustentam rali de alta e dólar agora cai aqui dentro

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de março de 2022

O rali das commodities continuava a embalar as cotações nos principais mercados externos, enquanto o dólar, assumindo tendência inversa àquela observada ao longo do ano passado, embicava para baixo por aqui, chegando a valer menos de R$ 5,00 pela primeira vez desde o final de junho de 2021. A alta das commodities está, logicamente, relacionada à guerra entre Rússia e Ucrânia, “apimentada” por conflitos locais na Arábia Saudita, maior produtor global de petróleo. O tombo do dólar guarda relação com a escalada das commodities, lembrando que, na fase mais recente de alta dos preços daqueles produtos, desde 2020, o real apresentou forte desvalorização.

Uma segunda explicação estará certamente na alta das taxas básicas de juros, que tornam mais lucrativas manobras e jogadas especulativas com o chamado “capital andorinha”, atraído pelas possibilidades de lucro rápido e fácil no mercado brasileiro. A entrada no País de dólares da especulação global ajuda a baratear a moeda norte-americana, tornando o real, proporcionalmente, mais valorizado.

Os últimos dados mostram que a cotação do dólar em reais chegou a cair quase 14% desde 21 de dezembro do ano passado, quando havia alcançado quase R$ 5,74, para chegar, no fechamento de ontem, a R$ 4,94. O grande especulador mundial entrou vendendo seus dólares ainda na fase de alta e, agora, com a queda, poderá recomprar dólares a preços mais baixos ao remeter seus investimentos de volta para fora do País, além de embolsar os ganhos assegurados pelos juros altos em vigor. O movimento de queda da moeda, no entanto, ao contrário do que ocorreu ao longo das primeiras décadas dos anos 2000, não deverá compensar o impacto dos aumentos de preços das commodities sobre as taxas de inflação.

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Escalada inflacionária

Por aqui, o País fica com a escalada inflacionária provida pela disparada das commodities. Os setores exportadores e pouco empregadores tendem a sair no lucro, mas os mais pobres já vêm pagando e ainda pagarão o preço mais alto, literalmente. Conforme constata o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV),na edição mais recente do seu Indicador de Comércio Exterior (Icomex), a “guerra se traduz em um novo choque de custos para a inflação no Brasil”. Quer dizer, vem aí mais uma carga de alta dos preços, turbinada pelos aumentos do trigo, do petróleo e de seus derivados, com todos seus efeitos diretos e indiretos sobre toda a economia. Assim como pelos aumentos da soja, do óleo de soja do farelo e do milho, encarecendo, nos dois últimos casos, os custos da ração animal e, portanto, das carnes.

Balanço

  • Na leitura do Icomex, “o impacto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia no comércio mundial acarreta aumento nos preços das commodities, leva a medidas protecionistas na área agrícola, contribui para estratégias de redução da dependência das cadeias globais de valor e torna ainda mais incertas as transformações na geopolítica mundial, em especial quanto ao papel da China”.
  • Rússia e Ucrânia, em conjunto, prossegue o relatório, “respondem por 53% do comércio global de óleo de sementes de girassol e (por) 27% do trigo”. Embora o Brasil não importe trigo da região, tendo a Argentina como principal fornecedor, a guerra provocou aumento generalizado nos preços do grão. Nas bolsas internacionais de futuros, o trigo subiu 20,6% desde 24 de fevereiro, data da invasão da Ucrânia, acumulando alta de 47,33% desde o começo do ano.
  • Como se sabe, a Rússia é principal fornecedora de gás para a Alemanha, simplesmente a maior economia da Zona do Euro. E os preços do gás aumentaram 29,7% entre o começo de janeiro e ontem, 21 de março. Os preços do petróleo atingiram US$ 116,37 (no caso do tipo Brent) e US$ 110,91 (WTI), com saltos de 47,3% e de 45,8% desde janeiro, pela ordem.
  • As exportações brasileiras tendem a ser favorecidas, numa avaliação mais imediata, que não considera os riscos evidentes de uma guerra de consequências ainda imprevisíveis. Mas esta não é uma possibilidade já assegurada por antecipação, embora os movimentos no setor externo tendam a favorecer um país como o Brasil, onde a equipe econômica tem baixa predisposição para a gestão macroeconômica, aferrada a mantras ideológicos que sempre inibiram o enfrentamento da inflação por caminhos outros que não o aumento dos juros.
  • Como anota o boletim Icomex, “a Organização Mundial de Comércio já identificou a adoção de medidas restritivas às exportações, como forma de assegurar a oferta doméstica ou conter a inflação”.Como exemplos, menciona suspensão pela Rússia das “exportações de fertilizantes e de grãos”, ao mesmo tempo em que “a Indonésia colocou medidas restritivas em relação às vendas de óleo de palma no comércio mundial e a Argentina cogita introduzir impostos sobre as exportações de óleos vegetais”.
  • No caso brasileiro, ainda segundo o Ibre/FGV, “o principal efeito no mapeamento dos efeitos diretos da guerra se refere à oferta de fertilizantes e ao aumento no preço das commodities agrícolas e de petróleo. A Rússia respondeu por 23,3% das importações brasileiras de produtos classificados como fertilizantes em 2021, seguida pela China, com 13,7%, Marrocos, com 10,5%, Canadá, com 9,8% e Estados Unidos, com 5,7%”.
  • O Ibre/FGV acredita, por fim, que a guerra tenderá a “reforçar a tendência de desaceleração da globalização”, em curso desde o final dos anos 2010, o que leva o instituto a destacar uma dúvida central: se essa desaceleração levará a uma fragmentação do comércio e das finanças em situação de tensões ou se é possível uma convivência pacífica nesse mundo multipolar. Não é uma questão a ser resolvida no futuro imediato”. O “elemento chave” para uma resposta, do ponto de vista do instituto, será a “forma como as relações bilaterais China e Estados Unidos seguida da relação China-Grandes Economias da Europa, irão reagir”.