Como o arranjo entre Campos e mercados detonou a chance de novo corte nos juros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 12 de junho de 2024

A possibilidade de ocorrer um novo corte nas taxas de juros básicas na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), agendada para os dias 18 e 19 de junho, tornou-se mais remota, se já não pode ser descartada desde já. Mas não por qualquer motivo de ordem macroeconômica. Simplesmente por que a conspiração articulada pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, envolvendo uma parcela do mercado financeiro, foi de fato bem-sucedida.

Como já sabido e repisado, desde a segunda metade de abril, Campos Neto tem exercitado sua tendência ao terrorismo fiscal, ajudando a aguçar incertezas de forma a influenciar expectativas e congelar, enfim, os juros na economia em níveis estratosféricos. Sempre falando a públicos selecionados, formado por banqueiros, agentes financeiros e grandes empresários, em audiências fechadas ao restante da opinião pública, o presidente do BC primeiro tratou de torpedear as mudanças apenas cosméticas na política fiscal, como já relatado neste espaço (O Hoje, 17.04 e 09.05.2024).

Na sequência, numa jogada certeira, tratou de reverter o tal “guidance” – a orientação definida pelo Copom para a política de juros, quando adiantou ao mercado sua decisão de realizar pelo menos mais dois cortes de meio ponto percentual sobre os juros neste ano, mensagem reforçada em março. Como se sabe, na primeira semana de maio, o Copom decidiu aplicar uma redução de 0,25 pontos percentuais, deixando os juros básicos em estranguladores 10,50% ao ano.

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Manipulação

A orquestração dos mercados, agora sob o silêncio comprometedor de Campos Neto, aparentemente teria envolvido, ao que indicam os arquivos do próprio BC, até mesmo uma manobra para manipular a taxa Selic, quer dizer, os juros que servem de base para a definição do custo do crédito em toda a economia. Na sequência da reunião mais recente do Copom, ocorrida entre 8 e 9 de maio, um agente do setor financeiro passou a incluir nas projeções para a inflação de 2026 e de 2027 uma taxa inflacionária de 8,0%, um salto em relação à taxa máxima de 5,70% verificada nas aferições anteriores pelo próprio BC por meio do relatório Focus.

O chute para cima da inflação esperada para aqueles períodos passou a fazer parte do relatório na relação das taxas máximas esperadas pelo mercado financeiro e influiu no cálculo da inflação média projetada. Essa média, que havia recuado de 3,87% no início de janeiro para 3,74% no dia 2 de maio, fechou a primeira semana de junho em 3,90%. 

Balanço

  • As turbulências geradas nesse processo, com o nítido propósito de manter os juros nas nuvens, puxaram os juros de longo prazo para cima e produziram mais desvalorização do real diante do dólar, encarecendo importações, o que poderá de fato levar a taxas de inflação mais elevadas adiante. Neste caso, caso de fato sobrevenham, essas pressões de alta tenderiam a ser naturalmente dissipadas ao longo do tempo, considerando-se que o País continua a atrair investimentos estrangeiros, as reservas mantêm-se em níveis elevados, acima de US$ 350,0 bilhões, e a balança comercial (exportações menos importações) continua com saldos positivos. 
  • Mais claramente, a economia brasileira está longe de sofrer os mesmos problemas observados no final dos anos 1990, causados principalmente pela falta crônica de dólares para fazer frente a compromissos internacionais. 
  • O dólar experimentou alta de 5,65% entre 3 de maio e 11 de junho, quer dizer, em pouco mais de um mês, o que ajudou a moeda a acumular salto de 10,28% nos últimos 12 meses. Mas o grosso dessa elevação ocorreu ao longo deste ano.
  • Os relatórios distribuídos pelos departamentos de economia de bancos e financeiras já passaram a dar como “favas contadas” o fim do período de reduções dos juros básicos, apostando na manutenção da taxa nos mesmos 10,50% até o final deste ano, o que projeta uma taxa real bem próxima de 6,4%.
  • Medido entre 1º a 29 de maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fechou o mês passado em 0,46%, o que foi o suficiente para que os mercados reforçassem o coro em defesa dos juros altos. O índice veio ligeiramente acima das previsões do setor financeiro, que esperava um IPCA na faixa de 0,40%. De toda forma, antes de se lançar em análises precipitadas, caberia avaliar a evolução recente daquele indicador.
  • O IPCA havia subido de 0,21% na quadrissemana encerrada em 14 de abril para 0,38% nos 30 dias do mesmo mês, numa elevação de 0,17 pontos. Entre o final de abril e as quatro semanas terminadas em 14 de maio, a alta havia sido de 0,06 pontos, para 0,44%. A elevação agora ficou limitada a 0,02 pontos, o que pode ser interpretado como uma perda de fôlego das pressões altistas.
  • Há o risco de alguma subestimação (ou superestimação) do IPCA de maio como reflexo da tragédia no Rio Grande do Sul. As enchentes obrigaram o IBGE a elevar a participação da coleta de preços por telefone ou via internet de 20% antes do desastre climático para algo próximo a 65% no decorrer de maio.
  • Como dado concreto, a contribuição da região metropolitana de Porto Alegre para a composição do IPCA, que havia se limitado a 7,7% no acumulado ao longo deste ano, atingiu quase 16,3% em maio. A inflação local chegou a ficar negativa em 0,13% em março, passou a 0,64% em abril e encerrou maio em 0,87% (mas já havia alcançado 0,86% na medição realizada entre 15 de abril e 14 de maio).