Coluna

Comportamento do dólar gerou inflação? Mas a inflação caiu….

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 10 de setembro de 2020

Finalmente
alguma coisa além de armas, “rachadinhas” e ataques contra a imprensa parece
mobilizar a atenção presidencial. Pena que, mais uma vez, na direção
equivocada. Buscar a redução dos preços dos alimentos na base de pressões,
ainda que de cunho supostamente patriótico, não resolverá o problema. Até
porque, os preços dos alimentos não são o principal problema quando
se trata exclusivamente de inflação. Da mesma forma, a recente escalada dos
preços de carnes e grãos parece ter baixa correlação com o comportamento mais
recente do dólar, que havia registrado sua maior valorização, até aqui, entre
março e maio, quando acumulou um salto muito próximo de 30,0% em relação aos
níveis observados em fevereiro.

Entre
o final de maio e agosto, a cotação mensal média da moeda chegou a cair 3,2% e,
nos primeiros nove dias de setembro, registrou novo recuo, agora de 2,2% frente
à média observada em agosto. A escolha dos preços médios para aferir o
comportamento do dólar frente ao real, com base nas cotações informadas diariamente
pelo Banco Central (BC), não é gratuita, já que as taxas de inflação tomam como
base preços médios de cestas de produtos consumidos pelas famílias ao longo de
períodos de 30 dias.

Embora
os preços dos alimentos tenham ganhado destaque na grande imprensa nos últimos
dias, ao experimentar alta mais relevante nas medições mais recentes do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior contribuição para a
inflação de agosto, isoladamente, veio da gasolina. A grande preocupação
trazida pelo avanço dos preços dos alimentos, pressionados principalmente pela
alta nos preços das carnes, do óleo de soja, do leite longa vida, do arroz, das
frutas e do tomate, diz respeito a seu estrago muito maior sobre o orçamento
das famílias de renda mais baixa, o que poderá reduzir o impacto do auxílio
emergencial disparado pelo governo durante a pandemia – principalmente num
momento em que o valor desse auxílio tende a ser reduzido pela metade.

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O discurso fácil
(e falso)

Neste
sentido, numa visão bem enviesada sobre o processo inflacionário, a alegada
“crise fiscal” voltou a frequentar o rol preferido de economistas e de certa
imprensa, que usualmente preferem recorrer a chavões para explicar de forma
simplista o que exige análises mais elaboradas e uma melhor observação dos
dados concretos. Até porque a premissa para esse tipo de “explicação” que nada
explica – mas atente a interesses poderosos – está equivocada. Não há risco de
descontrole inflacionário e muito menos a inflação sofrida pelos preços
cobrados do consumidor tem disparado. Pelo contrário. Ao longo de agosto, o
IPCA manteve-se próximo de 0,24% e ficou abaixo da taxa de 0,36% observada em
julho, com o índice acumulado em 12 meses alcançando 2,44% e mais uma vez
abaixo do piso da meta inflacionária (2,50% ao ano). Mais claramente, a
despeito do aumento histórico do rombo nas contas do Tesouro e da elevação da
dívida pública, tendências plenamente justificadas diante dos desafios impostos
pela pandemia, a inflação continua muito bem-comportada e abaixo da meta
inflacionária – o que significa dizer que o BC, para cumprir o mandato auto
imposto, deveria incrementar as medidas de suporte à atividade econômica e ao
emprego.

Balanço

·  
A
retórica dos que sempre brigaram para desmontar o Estado brasileiro e suas
incipientes políticas de bem-estar social esforça-se para gerar uma conexão
entre o aumento recorde do déficit e um suposto cenário de descontrole
inflacionário em plena pandemia, acrescentando mais recentemente uma alegada
recuperação da atividade depois que Estados e municípios aceleraram a
reabertura dos negócios.

·  
Na
mesma linha de raciocínio, o pagamento do auxílio emergencial estaria por traz
da alta dos preços dos alimentos, ao elevar a demanda por produtos básicos,
consumidos pelas famílias favorecidas pelo auxílio. Pode até ser, mas há outros
fatores em cena, neste momento, que não autorizam integralmente aquele tipo de
conclusão.

·  
O
apetite chinês certamente parece dar sustentação a preços mais altos para soja
e carnes, por exemplo, mas a atuação de produtores, intermediários e as grandes
tradings não deveria ser menosprezada. Acrescente-se que as principais tradings
dominam literalmente o mercado global de grãos e têm grande poder na formação
de preços nesta área.

·  
As
cotações médias da soja no mercado paranaense, segundo acompanhamento diário do
Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de
Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), subiram praticamente 12,0% em
agosto. E registravam elevação de 6,3% nos primeiros nove dias de setembro. A
saca do arroz, sempre no mercado atacadista, já havia aumentado 22,0% em agosto
e sobe mais 29,5% apenas na média dos primeiros nove dias deste mês.

·  
Nos
dois mercados, o Cepea observa uma disputa entre compradores (indústrias e
tradings) e retenção de estoques pelos produtores, acirrando as disputas e a
alta nos preços.

·  
Ainda
assim, como pondera o Banco Fator, “não se deve exagerar na avaliação dos
efeitos do choque de preços das commodities. Entendemos que o IPCA prosseguirá
na trajetória benigna que vem mostrando nos últimos anos e que abriu espaço
para a queda nos juros”.

·  
Na
avaliação do banco, os preços “livres” (quer dizer, não sujeitos a
regulamentação ou definição pelo poder público) e que não sofrem a influência
do mercado externo (ou seja, que não são vendidos lá fora) registravam, até
setembro, uma variação acumulada em 12 meses de apenas 1,44%, depois de
recuarem 0,39% na passagem de julho para o mês seguinte.

·  
Os
preços mais influenciados pelo mercado internacional, categoria onde se
enquadram as commodities, subiram 4,79% em 12 meses, com variação mensal de
0,70% em agosto.

·  
Em
outro exemplo, excluída a gasolina, que aumentou 3,42% em julho e mais 3,22% em
agosto, os demais preços incluídos no IPCA teriam registrado variação, pela
ordem, de 0,21% e de apenas 0,09%. Será preciso muito poder de imaginação para
enxergar riscos de uma recaída inflacionária nesses números.