Quinta-feira, 28 de março de 2024

Coluna

Coronavírus agrava crise na indústria, que acumula seis trimestres de perdas

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 06 de maio de 2020

Depois
de derrapar em fevereiro, a produção industrial entrou em parafuso no mês
seguinte, como já se podia antecipar, refletindo os primeiros efeitos da crise
sanitária causada pela pandemia. As medidas de restrição e de isolamento social
fizeram a demanda desabar a partir da segunda quinzena de março, o que bastou
para decretar um tombo de 9,1% na produção do setor, na comparação com
fevereiro, no pior desempenho desde maio de 2018 (-11,0%). Na comparação com
março do ano passado, a redução foi de 3,8% – aparentemente menos intensa, mas
marcando o quinto mês consecutiva de números negativos, o que apenas confirma
que os problemas da indústria, agravados agora pela crise sanitária, são
anteriores e demonstram a baixa capacidade de reação que o setor vinha demonstrando
desde o final da recessão em 2016.

As
estatísticas trimestrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a propósito, mostram que a produção industrial acumula seis trimestres
(um ano e meio, portanto) de quedas sucessivas, indicando uma retração muito
próxima de 7,7% no período. O investimento segue em baixa, já que a produção de
bens de capital (máquinas, equipamentos, caminhões e ônibus, entre outros
segmentos) registrou o segundo trimestreconsecutivo de perdas, numa retração de
praticamente 5,5% no período. Na comparação com setembro de 2013, quando havia
alcançado seu ponto mais alto na série histórica do IBGE, a produção de bens de
capital encolheu 44,8%. As expectativas de uma reação puxada majoritariamente
pelo setor privado ainda neste ano, antecipadas pelo superministro dos
mercados, senhor Paulo Guedes, se aproximam muito mais de um desejo sem
fundamento concreto na realidade.

A
edição mais recente da pesquisa do IBGE sobre a produção industrial apenas
deixa explícito o que a maior parte dos economistas, analistas econômicos e
consultores já vinha antecipando. Conforme reforça o Instituto de Estudos para
o Desenvolvimento Industrial (Iedi), as medidas de afastamento somente
começaram a ser aplicadas de forma mais ampla na segunda metade de março, o que
parece sinalizar perdas ainda mais severas em abril, como sugerem, por exemplo,
os números mais recentes da Federação Nacional da Distribuição de Veículos
Automotores (Fenabrave), entre outras indicações.

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Abril vermelho

O
licenciamento de veículos desabou 76% entre abril deste ano e o mesmo mês do
ano passado, com tombo de 66% em relação a março deste ano. As importações em
geral sofreram baixa de 12,1% na passagem de março para abril deste ano e
ficaram ainda 10,7% abaixo dos níveis registrados em abril de 2019. A indústria
de transformação reduziu suas compras em 11,01% comparando abril com o mesmo
mês do ano passado. A indústria automotiva respondeu, em março, por 39,2% da
queda de 3,8% anotada pela produção industrial em seu conjunto, novamente em
relação ao terceiro mês de 2019. A produção de veículos chegou a baixar 16,2%
nessa mesma comparação. Os números de licenciamento antecipam uma retração
ainda mais severa ao longo de abril. Adicionalmente, as importações de veículos
de passageiros e de carga sofreram baixas de 53,2% e de 59,4% frente a abril de
2019.

Balanço

·  
Cinco
setores de atividade explicaram em março pouco mais de 95,5% da redução
observada para a produção industrial na comparação com março de 2019, todos eles
de alguma forma relacionados com a demanda final das famílias e mais
“intensivas em mão de obra” (ou seja, estão entre os segmentos que mais
empregam). Esse dado reforça a outra dimensão da crise sanitária, revelada na
retração do emprego e da renda.

·  
Além
das montadoras de veículos, as indústrias de bebidas, confecções e artigos de
vestuário, couro e calçados e de minerais não metálicos (brita, areia, cimento
e outras atividades relacionadas à construção civil) foram as que maior
influência exerceram no tombo da produção da indústria como um todo.

·  
A
indústria de bebidas, que sofreu baixa de 18,8%, teve participação de 19,21% na
queda geral, seguida pelo setor de vestuário, que encolheu nada menos do que
27,5% e teve influência de 14,47% na redução na produção de toda a indústria.

·  
O
setor de couro, calçados e acessórios, com retração de 26,7%, explicou 12,63%
do tombo geral, enquanto a indústria de minerais não metálicos teve
participação de 10,0% na retração geral, ao sofrer baixa de 10,6%.

·  
O
Iedi relembra que há “outros canais de impacto da pandemia” sobre a indústria e
que igualmente têm prejudicado o desempenho do setor em seu conjunto. O
instituto relaciona aqui o “forte aumento das incertezas”, o que leva como
reflexo a uma retração dos empresários em suas decisões operacionais, assim
como a dificuldade adicional de “acessar insumos, partes e componentes
importados”.

·  
Por
isso mesmo, prossegue o Iedi, entre os setores mais penalizados pela crise
estão ainda “aqueles organizados em cadeias com participação importante de
fornecedores internacionais, que produzem bens cuja demanda exige a contratação
de financiamentos e um nível maior de confiança em relação ao futuro”.

·  
O
setor de bens intermediários acumula seis trimestres de perdas, acumulando
retração de aproximadamente 11,0%. Por suas conexões com toda a cadeia de bens
industriais e sua importância relativa, esse comportamento muito negativo,
acrescenta ainda o Iedi, apenas confirma “o fato de que não é de agora que a
indústria como um todo enfrenta problemas”.