Coluna

Crédito rural perde relevância e deixa de contratar R$ 143,4 bilhões em três safras

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 11 de julho de 2019

Além de apresentar crescimento modestíssimo no ano
safra 2018/19, encerrado em junho deste ano, o crédito rural tem perdido
relevância a cada ciclo como fonte de recursos para o setor agropecuário. Na
verdade, toda a política de crédito rural deveria passar por uma reforma
extensa, de forma a contemplar as necessidades reais de financiamento do setor,
o que inclui a própria agricultura familiar. A intenção já antecipada de
retirada do setor financeiro público do crédito em geral e do financiamento
para o campo, particularmente, não deverá significar uma solução efetiva para o
setor, que merece políticas diferenciadas, de resto, em todo o mundo (basta
relembrar a extrema dificuldade de avançar nas negociações agrícolas com a
União Europeia em função da proteção assegurada pelos governos do bloco europeu
a seus agricultores).

A perda de relevância está explícita nos números
oficiais, como se pode observar no relatório liberado ontem pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). No balanço das contratações
realizadas no ano agrícola 2018/19, o volume tomado pelos produtores, incluindo
na conta os agricultores familiares, girou em torno de R$ 175,8 bilhões, num
avanço de meros 3,7% frente aos R$ 169,5 bilhões contratados na safra anterior.
O avanço nominal mal consegue repor a inflação do período, o que pode ser
tomado como um desempenho tímido, se não decepcionante (mesmo assim, recebeu
tratamento festivo pelo ministério).

Não seria mesmo o caso de celebrar, até porque o
valor contratado ficou novamente abaixo do total de recursos reservados no
plano agropecuário para a safra recém-concluída. Tem sido uma constante nesta
área há décadas, com raras exceções que apenas tornam mais evidente a tendência
mais geral. Nas três últimas safras, os produtores deixaram intocados algo como
R$ 143,4 bilhões, o que corresponde a dois terços de todo o orçamento destacado
para financiar a safra de 2018/19, próximo a R$ 217,7 bilhões.

Continua após a publicidade

À espera de reformas

Parece óbvio, portanto, que há problemas no setor e
estes não se limitam ao tamanho dos orçamentos fixados a cada safra (que, por
sinal, avançaram muito pouco nos últimos anos). Se os recursos praticamente não
crescem (ou crescem muito moderadamente, numa versão mais fidedigna) e ainda
sobram ao final de cada safra, enquanto o setor recorre crescentemente a outros
arranjos para financiar o plantio e a comercialização das colheitas, será
preciso pensar em novas formas de financiar a agropecuária. Resta saber se há
disposição dentro do governo para enfrentar a empreitada, conferindo maior
capilaridade ao crédito e melhor distribuição, a custos adequados diante dos
riscos a que naturalmente a agricultura se sujeita.

Balanço

·  
No ciclo 2016/17, na soma da chamada agricultura
“empresarial” e agricultura familiar (Pronaf), o campo teve à sua disposição
perto de R$ 209,9 bilhões e contratou R$ 154,1 bilhões, deixando uma “sobra” de
R$ 55,8 bilhões.

·  
Na safra seguinte, o orçamento definido para o
plano agropecuário foi elevado para R$ 215,3 bilhões, mas “apenas” R$ 169,5
bilhões foram sacados pelos produtores, que deixaram para trás perto de R$ 45,8
bilhões.

·  
O governo passado havia definido um total de R$
217,7 bilhões para o ciclo 2018/19 e, de novo, houve sobra de recursos, já que
as contratações atingiram R$ 175,8 bilhões. Ficaram estacionados nos bancos
alguma coisa ao redor de R$ 41,7 bilhões. Em apenas duas safras, foi como se os
produtores não tivessem utilizado metade de todo o orçamento anual definido
para o campo.

·  
As linhas de investimento novamente foram destaque,
com alta de 8,9% entre as safras 2017/18 e 2018/19. Os valores contratados
subiram de R$ 40,069 bilhões para R$ 43,629 bilhões, representando 84,7% do
volume de recursos disponível (R$ 51,511 bilhões).

·  
A disposição para investir foi maior entre pequenos
(+17%) e grandes produtores (+16%). Entre os médios, o investimento desabou
67%.

·  
O crédito para custeio, comercialização e
industrialização da safra avançou meros 2,25% (quer dizer, houve recuo em
termos reais), saindo de R$ 129,452 bilhões para R$ 132,371 bilhões).

·  
As contratações de recursos a juros subsidiados
(controlados) encolheram 5,2% de R$ 128,324 bilhões para R$ 121,604 bilhões,
enquanto o crédito a taxas de mercado aumentou pouco mais de 32%, saltando de
R$ 41,197 bilhões para R$ 54,397 bilhões.