Quinta-feira, 28 de março de 2024

Coluna

Crise cambial, o novo (e falso) fantasma fabricado pela equipe do superministro

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de julho de 2020

A
equipe econômica tem se especializado em fabricar ameaças para empurrar goela
abaixo da sociedade o desmonte do setor público. Tirado da cartola, assim como
o risco de uma crise fiscal avassaladora, o mais novo fantasma – e tão falso
quanto uma nota de três reais – ganhou a forma de uma crise cambial, não
faltando advertências em relação ao tenebroso caminho à frente de todos na
hipótese ainda mais temível de não se verem aprovadas as tais reformas
defendidas pela turma do superministro, tão ao gosto dos mercados.

Mas
quais as bases concretas para previsões desse tipo? Nenhuma, a não ser o
terrorismo recorrente dos novos bárbaros. Os dados das contas externas não só
desaconselham conclusões assim, como as desmentem sem dó nem piedade. Nada como
um pouco de realidade e fatos concretos para afugentar fantasmas. As
estatísticas do Banco Central (BC) mostram, pelo contrário, até alguma melhoria
nas contas externas do País nesses meses de pandemia, ainda que o preço para o
ajuste observado neste ano tenha sido muito pesado.

A
forte retração da atividade econômica doméstica explica em grande parte a queda
no rombo na conta de transações correntes, que inclui exportações e importações
de bens e mercadorias, despesas com serviços em geral, a exemplo de gastos com
viagens internacionais, fretes, pagamento de royalties por uso de tecnologias
importadas, aluguel de equipamentos, e ainda remessas de lucros e dividendos,
entre outros itens.

Continua após a publicidade

A
retração do mercado interno está por trás, por exemplo, da queda nos lucros das
empresas e, portanto, da redução drástica nas remessas de dividendos para fora
do País. Explica ainda a queda nas importações de mercadorias, o que ajudou a
compensar parcialmente o tombo observado nas exportações, impedindo uma redução
mais forte do saldo entre vendas e compras externas. Da mesma forma, as
despesas com fretes, viagens internacionais e aluguel de equipamentos foram
achatadas, como resultado da combinação entre a perda de receitas e de renda
aqui dentro e a alta do dólar, o que tornou mais caros todos aqueles itens,
quando convertidos em reais.

Recordes

Em
junho, as receitas incluídas na conta de transações correntes superaram as
despesas em dólares realizadas pelo País no exterior por uma diferença de US$
2,235 bilhões, no melhor resultado para o mês em toda a série histórica de
dados do BC, iniciada em 1995. No mesmo mês de 2019, a conta tinha ficado negativa
em US$ 2,659 bilhões. No segundo trimestre deste ano, o saldo foi positivo em
todos os meses, acumulando um superávit de US$ 6,438 bilhões (também o mais
elevado para o período na série estatística oficial). Para comparação, o País
havia anotado um rombo de US$ 5,955 bilhões nos mesmos três meses de 2019. Como
se pode perceber, a mudança de sinais no saldo das transações correntes, um
resumo de todas as receitas e despesas do País no exterior, ocorre precisamente
durante a pandemia, o que não é coincidência.

Balanço

·  
No
primeiro semestre, as transações correntes apresentaram déficit de US$ 9,734
bilhões, o que significa dizer que o Brasil gastou mais dólares do que recebeu
no período. Ainda assim, o rombo encolheu 53,6% em relação ao mesmo período do
ano passado, quando a conta tinha ficado negativa em US$ 20,998 bilhões.

·  
A
maior contribuição para a queda veio da redução de quase 48,8% nas remessas de
dividendos (que representam uma parcela do lucro registrado por uma empresa e
distribuído aos acionistas, donos de ações dessa mesma empresa). Essas remessas
desabaram de US$ 15,505 bilhões nos seis meses iniciais de 2019 para US$ 7,935
bilhões em igual período deste ano, ou seja, uma diferença para menos de US$
7,570 bilhões.

·  
Na
conta dos serviços contratados lá fora pelo País, as despesas líquidas com
transportes (descontadas as receitas, já que navios e aviões brasileiros também
recebem em dólares pelo frete ao transportar cargas daqui para outros países)
foram reduzidas em quase um terço, saindo de US$ 2,848 bilhões para US$ 1,936
bilhão (32,0% a menos).

·  
Os
gastos líquidos com viagens internacionais (novamente, descontando-se os
dólares que turistas e executivos estrangeiros gastaram no Brasil no mesmo
período) desabaram praticamente 70% no primeiro semestre, saindo de US$ 5,730
bilhões para US$ 1,735 bilhão (US$ 3,996 bilhões a menos). O aluguel de
equipamentos fabricados no exterior recuou quase 6,0%, de US$ 7,211 bilhões
para US$ 6,781 bilhões. Tudo somado e subtraído, a conta de serviços encolheu 36,6%
no primeiro semestre, baixando de US$ 17,653 bilhões para US$ 11,187 bilhões.

·  
A
balança comercial (exportações menos importações) acumulou superávit de US$
19,327 bilhões no primeiro semestre deste ano, em baixa de 13,8% frente a igual
intervalo de 2019 (US$ 22,412 bilhões). O impacto maior veio da redução de 6,8%
nas exportações de mercadorias (de US$ 109,590 bilhões para US$ 102,184
bilhões), parcialmente compensado pela redução de 5,0% nas importações (que
recuaram de US$ 87,177 bilhões para US$ 82,858 bilhões). Pesaram aqui, no prato
das compras externas, a menor demanda por bens importados por parte das
empresas brasileiras, reflexo do encolhimento do mercado doméstico, e, no lado
das exportações, a retração do comércio global de bens e
mercadorias, sobretudo manufaturados, por conta da pandemia.

·  
Apesar
da fuga de US$ 31,252 bilhões dos mercados de ações e de títulos de dívida
emitidos por empresas e pelo Tesouro no primeiro semestre, as reservas
internacionais voltaram a subir, passando de US$ 339,317 bilhões em maio para
US$ 345,706 bilhões em junho e, daí, para US$ 353,340 bilhões no dia 24 de
julho, acima da dívida externa bruta, muito próxima de US$ 309,0 bilhões. Quem
antecipa uma crise cambial num país que tem reservas suficientes para pagar de uma
só tacada toda sua dívida externa não deve ter sido movido por propósitos muito
honestos.