Debandada na equipe econômica reflete incompetência frente à crise

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de outubro de 2021

Contraproducente desde o nascedouro, ao amarrar a execução de políticas públicas a uma regra de longuíssimo prazo, o teto de gastos parece fadado a esboroar, somando até o momento mais furos do que queijo curado. A inoperância, incompetência e as manobras mirabolantes improvisadas pelo desgoverno instalado em Brasília completam o cenário e acirram as crises na política e na economia, gerando turbulências diárias. Ao se tornar o mais novo aliado do Centrão, o ministro dos mercados Paulo Guedes assume o papel de patrono de mais uma fuga em massa em sua equipe, levando à saída, ontem, de quatro entre os maiores defensores do teto, todos lotados na poderosa Secretaria do Tesouro Nacional.

A “âncora fiscal”, definida ainda no governo de Michel Temer, acrescentou mais irracionalidade à execução orçamentária, embora incensada pelos mercados como o novo “bezerro de ouro” da ultraliberalismo econômico. A debandada sofrida pela equipe econômica apenas reflete o estado das coisas em Brasília, onde todos batem cabeça e ninguém parece mesmo saber para onde o País caminha. A mais recente manobra contra o teto – e razão aparente para a saída de quatro economistas da equipe de Guedes – pretende abrir caminho para gastos nitidamente eleitoreiros, já que não há políticas mais estruturadas e de prazo mais longo para sustentá-los.

No centro da manobra, está a intenção de abrir espaço para mais R$ 83,0 bilhões em gastos no próximo ano, com base nas mudanças sugeridas pelo deputado Hugo Motta (Republicanos/PB), relator da proposta de emenda constitucional dos precatórios. Parte do dinheiro irá para a correção em 20,0% dos valores médios recebidos pelas famílias atendidas pelo Bolsa Família (que deve virar o tal Auxílio Brasil). O reajuste sequer repõe a inflação acumulada desde junho de 2016, quando houve o último reajuste. Desde lá, inflação acumulou variação de 26,0%. Prevê-se o pagamento de uma complementação temporária aos beneficiários do programa, elevando o valor recebido para R$ 400 entre janeiro e dezembro do próximo, quando a ajuda será dada por encerrada, dois meses depois das eleições.

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Os mercados reagiram com a insensibilidade de sempre, se é que se poderia esperar algum tipo de consciência social dos donos do dinheiro. A bolsa voltou a despencar e o dólar subiu mais uma vez, atingindo pouco mais de R$ 5,66 no fechamento do dia. Se as oscilações nos preços das ações não trazem reflexos imediatos sobre o dia a dia das famílias, em sua maioria excluídas do cassino financeiro, a escalada do dólar ajudará a colocar mais lenha no forno da inflação, ao encarecer produtos que o País importa e também aqueles destinados ao mercado externo, cotados na moeda norte-americana mesmo quando as transações ocorrem aqui dentro.

A pandemia “imprevista”

O relator inclui ainda na proposta perto de R$ 11,0 bilhões para uma despesa evidentemente emergencial, porque naturalmente imprevista, já que se destina à compra de vacinas contra a pandemia, além de autorizar o pagamento de R$ 15,0 bilhões neste ano, “fora do teto de gastos”, com a mesma finalidade. Isso apenas reforça o nível impensável de imprevidência, incompetência, desfaçatez e desumanidade de um desgoverno que não quer e faz questão de não enfrentar problemas de frente, antecipando decisões que poderiam ter poupado vidas.

Balanço

  • Se o cenário para a inflação já parecia muito negativo, o relatório sobre commodities liberado ontem para a imprensa pelo Banco Mundial deixa o horizonte ainda mais nublado. Os preços da energia (petróleo e derivados, gás natural e carvão) dispararam no terceiro trimestre deste ano e sinalizam novos aumentos para 2022, embora em intensidade menor, nas projeções da instituição.
  • O indicador de preços do setor de energia do banco experimentou alta de 16,2% em relação ao segundo trimestre e deverá encerrar os 12 meses deste ano com elevação média de incríveis 83,4% frente ao ano passado. A previsão para 2022 embute variação de 2,3%. Para comparação, em seu relatório anterior, o Banco Mundial trabalhava com uma expectativa de alta de 35,3% ao longo deste ano.
  • Nos mercados futuros, os preços do petróleo tipo Brent (extraído no Mar do Norte, no Reino Unido) e WTI (West Texas Intermediate) já subiram 8,0% e 10,0% entre o final de setembro e ontem, acumulando, pela ordem, aumentos de 104,6% e de 106,5% em 12 meses. As cotações da gasolina reformulada nos Estados Unidos subiram 17,8% nos 30 dias encerrados ontem e 110,6% em 12 meses. O gás natural, ainda no mercado futuro norte-americano, chegou a experimentar queda de 11,5% entre 30 de setembro e 21 de outubro, mas ainda se encontrava 183,1% mais alto do que em outubro do ano passado.
  • “O aumento nos preços da energia apresenta riscos significativos de curto prazo para a inflação global e, se sustentada, também pode pesar no crescimento dos países importadores de energia”, comentou AyhanKose, economista-chefe e diretor do Grupo de Perspectivas do Banco Mundial.E acrescentou: “A forte recuperação dos preços das commodities está se revelando mais pronunciada do que o projetado anteriormente. A recente volatilidade dos preços pode complicar as escolhas de políticas, já que os países se recuperam da recessão global do ano passado”.
  • O panorama desenhado pelo Banco Mundial recomenda fortemente uma mudança na atual política de preços levada adiante pela Petrobrás, para evitar que as altas já ocorridas e esperadas para os preços do petróleo, afetados não apenas pela demanda, mas também por certa desorganização na oferta de óleo bruto e pela crise no fornecimento de gás natural no oeste europeu, selam integralmente transferidos para o consumidor brasileiro.
  • “Os altos preços do gás natural e do carvão estão impactando a produção de outras commodities e representam um risco de alta para as previsões de preços”, acrescenta ainda o economista John Baffes, também do Banco Mundial. Segundo ele, “a produção de fertilizantes foi reduzida em decorrência dos preços mais altos do gás natural e do carvão, e os preços mais altos dos fertilizantes aumentaram os custos de insumos para as principais safras de alimentos. A produção de alguns metais, como alumínio e zinco, também foi reduzida devido aos altos custos de energia”.