Déficit no setor de fertilizantes salta 62% e amplia dependência

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 06 de novembro de 2021

O déficit na balança comercial de fertilizantes e produtos intermediários disparou nos nove primeiros meses deste ano, crescendo 62,0% em relação a igual período de 2020, alargando a dependência brasileira no setor, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). As importações bateram recorde e atingiram US$ 9,555 bilhões entre janeiro e setembro deste ano, frente a US$ 5,920 bilhões nos mesmos nove meses de 2020, num avanço de 61,4%. As exportações cresceram 32,8%, mas os valores continuam muito modestos, saindo de US$ 120,8 milhões para US$ 160,4 milhões. Como resultado final, o rombo passou de US$ 5,799 bilhões para US$ 9,394 bilhões.

Os números dão o retrato da dependência brasileira em relação a importações, refletindo, entre outros fatores, o encolhimento da cadeia de produção no País, segundo Ciro Marinho, presidente executivo da Abiquim.“Atualmente, produzimos menos de 15% do que consumimos e importamos mais de 85%. A dependência tem aumentado ano a ano”, reforça Ricardo Tortorella, diretor executivo, da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda).

Nos dados da Anda, prossegue Tortorella, a produção local encolheu 31,8% entre 2010 e 2020, passando de 9,340 milhões para 6,374 milhões de toneladas. As compras de fertilizantes intermediários mais do que dobraram no período, saltando de 15,282 milhões para 32,873 milhões de toneladas. Puxadas pela soja e pelo milho, que respondem por quase 62% do consumo, e pelo Centro-Oeste, responsável por 39% da demanda, as entregas de fertilizantes aos consumidores finais cresceram 11,9% no ano passado, atingindo 40,564 milhões de toneladas – maior volume na série histórica até então.

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O recorde poderá ser quebrado neste ano, considerando que as entregas de fertilizantes somavam, entre janeiro e agosto deste ano, perto de 28,904 milhões de toneladas, em alta de 16,2% frente ao mesmo período do ano passado, quando haviam alcançado 24,869 milhões de toneladas. A produção doméstica de fertilizantes intermediários encolheu levemente no período, saindo de 4,423 milhões para 4,406 milhões de toneladas, com as compras, em volume, subindo de pouco mais de 20,0 milhões para 23,974 milhões de toneladas, numa variação de 19,9%. A relação entre importações e consumo passou de 80,4% para 82,9% entre os primeiros oito meses do ano passado e o mesmo intervalo deste ano.

Quem é quem

As estatísticas consolidadas pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR), que coordena desde o começo do ano os trabalhos para consolidação do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), mostram dependência mais extrema em relação ao potássio importado, responsável por 94% da demanda brasileira, seguido pelo nitrogênio e pelo fósforo, onde a participação dos importados chega a 76% e a 55%, respectivamente. O plano pretende reduzir essa dependência, com a colaboração da indústria do setor.Os dados da SAE-PR incluindo entre os principais exportadores globais de fertilizantes potássicos o Canadá, com participação de 32%, Rússia (26%), Bielorrússia (18%) e Israel (11%). Os Montes Urais, na Bielorrússia, e a província de Saskatchewan, no Canadá, respondem por 80% da produção mundial de potássio.

Balanço

  • Na avaliação de Marino, o País tem todas as condições para limitar a participação dos importados a qualquer coisa entre 10% e 20%, até porque, mantidos os níveis atuais de dependência, os riscos são excessivamente elevados. O cenário internacional, a partir da pandemia, tem produzido incertezas e elevado custos para todo o setor. Os preços do gás natural liquefeito lá fora saltaram 102,8% entre o final de outubro de 2020 e igual período deste ano. Os desencontros entre oferta e demanda igualmente atingiram o mercado de fertilizantes, também afetado pela falta de navios, por desafios ambientais e riscos geopolíticos.
  • Como resume Tortorella, o suprimento global de potássio “sofre com as sanções econômicas impostas pela União Europeia, Suíça, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra à Belarus. No caso do fósforo, os gargalos estão nos atrasos nos embarques do insumo nos portos de países tradicionalmente produtores”. Há incertezas ainda, acrescenta ele, em relação às “decisões que a China possa vir a tomar para gerir sua atual crise de energia, particularmente em relação a produção e exportação de fósforo e nitrogenados”.
  • Marino defende uma ação vigorosa, envolvendo governo e setor privado, para reindustrializar o País, com a reconstrução das cadeias de produção e fornecimento interno de insumos básicos. Matéria prima essencial na produção de fertilizantes, o gás natural no Brasil “custa 300% mais do que nos Estados Unidos e nossa energia é 400% mais cara”, anota ele.
  • Para complicar, as projeções disponíveis sugerem que o mundo deverá enfrentar uma crise de oferta de potássio em três décadas, afirma Éder de Souza Martins, pesquisador da Embrapa Cerrados e especialista em agroecologia. “Precisamos nos preparar e criar soluções que permitam integrar fontes orgânicas, minerais e materiais solúveis, contemplando também as chamadas cadeias emergentes e, entre essas, os remineralizadores do solo”, sugere o pesquisador. A Embrapa vem conduzindo desde 1999 uma série de ciclos de pesquisas envolvendo o uso de pó de rocha na fertilização dos solos.
  • Com níveis de concentração de óxido de potássio de até 12%, o insumo tem se mostrado viável para uso agrícola, mas serão necessárias pesquisas em maior escala para consolidar a técnica. Neste momento, adianta Martins, a Embrapa e instituições parceiras, como a Universidade de Brasília, o Serviço Geológico Nacional, o Centro de Tecnologia Mineral, Esalq, instituições públicas de ensino superior e pesquisa, além de empresas produtoras de biosinsumos, estão envolvidas num esforço para construção de uma rede de pesquisas e buscam recursos para iniciar experimentos de longo prazo a campo. A nova fase dos trabalhos com o pó de rocha exigirá investimentos em torno de R$ 5,0 milhões por ano, calcula Martins, praticamente 10 vezes mais do que o orçamento atualmente disponível.
  • Neste ano, o pesquisador projeta a aplicação pela agricultura de 3,0 milhões de toneladas rocha silicática moída, parte das quais ricas em potássio –volume duas vezes maior do que o consumido em 2020. A produção, envolvendo três dezenas de mineradoras até aqui, ocorre nas principais regiões agrícolas, mas numa escala tímida diante de um potencial estimado em 75,0 milhões de toneladas, volume necessário, segundo Martins, “para aumentar a eficiência no uso de nutrientes e reduzir a dependência de fontes externas”. O zoneamento agrogeológico realizado em 2018, diz ele, identificou a possibilidade de extração e processamento de rochas “a menos de 300 quilômetros de qualquer área agrícola em todo o País”, o que abriria espaço para atuação de 750 mineradoras.