Desaceleração do PIB prenuncia sinais preocupantes para 2023

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 03 de março de 2023

Os dados finais do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado reafirmaram a tendência de desaquecimento que vinha sendo observada desde o terceiro trimestre, prenunciando dificuldades adicionais para a pretendida retomada da atividade econômica ao longo deste ano. Os sinais de partida não ajudam na montagem de um cenário muito favorável para 2023, numa avaliação ainda inicial e muito preliminar – até mesmo porque a economia brasileira tem sido forçada a conviver com juros nas alturas, com piso de 13,75% ao ano, merecendo o título nada honroso da maior taxa real no planeta, o que tem elevado a inadimplência e constrangido a capacidade de consumo das famílias ao elevar a parcela de sua renda comprometida com o pagamento de dívidas, além de postergar decisões de investimento entre as empresas.

Para completar, o Brasil esteve entre um reduzido número de países com resultados negativos no quarto trimestre de 2022. Conforme divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro saiu de um crescimento de 5,0% em 2021 (depois de ter sofrido baixa de 3,3% em 2020) para uma taxa de 2,9% no ano passado, num desempenho já antecipado por analistas, consultores econômicos, operadores do mercado financeiro e adivinhos em geral.

O dado mais preocupante, no entanto, veio nos dados do quarto trimestre por conta de um recuo de 0,2% na comparação com o trimestre imediatamente anterior, não apenas pelo resultado em si, mas especialmente pelo comportamento observado em setores relevantes da economia. Como lembra o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o retrocesso ocorreu “a despeito das várias medidas anticíclicas adotadas pelo governo no contexto da disputa eleitoral, como redução de impostos sobre combustíveis, liberação de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de serviço), aumento do Auxílio Brasil”, entre outras despesas contratadas para tentar reverter os resultados das urnas. A chamada “demanda agregada” (grosso modo, o consumo somado das famílias e dos governos, mais investimentos, agregando-se ainda a diferença entre exportações e importações) dá mostras de esfriamento ao longo dos últimos meses, afetando principalmente os investimentos.

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Esfriamento da demanda

Sempre na comparação com os três meses imediatamente anteriores, o PIB começou o ano com elevação de 1,3% na passagem do quarto trimestre de 2021 para o primeiro trimestre de 2022, avançando 0,9% no segundo trimestre. O crescimento no terceiro trimestre ficou limitado a 0,3% (na prática, a economia já vinha derrapando desde então) e foi seguido pela redução de 0,2% no trimestre final do ano. O consumo das famílias, que respondeu por algo em torno de 63,1% do PIB no ano passado, chegou a apresentar alguma aceleração entre o primeiro e o segundo trimestres, saindo de uma variação de 1,0% para 2,0%. Na sequência, a taxa voltou a 1,0% no terceiro trimestre, metade da variação anterior, e desabou para 0,3% no quarto trimestre. O investimento, que há havia tropeçado no primeiro trimestre, ao cair 2,2% sobre o trimestre anterior, avançou 4,1% no segundo trimestre, mas perdeu força no terceiro, quando cresceu 2,6%, e voltou a cair no quarto trimestre, numa baixa de 1,1%.

Balanço

  • As despesas de consumo do governo, que responderam por 18,0% do PIB, haviam sofrido baixas de 0,3% e de 0,8% no primeiro e segundo trimestres, pela ordem, avançando 1,2% no terceiro (não por coincidência, o período que antecedeu às eleições). Mas, já no último trimestre do ano, o incremento ficou limitado a 0,3% (quer dizer, praticamente não avançou).
  • Na medição do IBGE, a demanda doméstica saiu de um crescimento de 5,9% em 2021 para registrar variação de apenas 2,0% no ano passado. O restante do crescimento acumulado pelo PIB (0,9%) foi assegurado pelo setor externo, vale dizer, pelo crescimento mais acelerado das exportações quando comparado ao das importações, puxado pelas vendas externas de grãos e carnes e também de petróleo (que teve seus preços aumentados na esteira da crise gerada pela guerra entre Rússia e Ucrânia). Ainda no acumulado ao longo dos quatro trimestres de 2022, comparado aos 12 meses do ano anterior, o consumo das famílias e as despesas de consumo dos governos apresentaram variação de 4,3% e de 1,5%, saindo, na mesma ordem, de 3,7% e de 3,5% em 2021.
  • O investimento não resistiu às pressões geradas por uma conjuntura hostil e teve seu ritmo de crescimento fortemente desacelerado entre 2021 e 2022, passando de um salto de 16,5% para uma variação de apenas 0,9%. O desaquecimento veio por conta, destacadamente, pelo tombo de 7,3% no setor de máquinas e equipamentos, sinalizando efeitos negativos para a “produtividade e a competividade futura”, sublinha o Iedi. “É provável ainda que parte relevante deste declínio esteja na indústria, já que a produção física de bens de capital para o setor vem caindo repetidamente desde o quarto trimestre de 2021”, acrescenta ainda o instituto.
  • Como proporção do PIB, a taxa de investimento recuou ligeiramente de 18,9% para 18,8%. Para comparação, entre 2010 e 2013, o investimento havia flutuado entre 20,5% e 20,9% antes de mergulhar em queda vertical no período seguinte.
  • No lado da oferta de bens e serviços, a indústria apresentou o pior desempenho, recuando 0,3% no quarto trimestre para encerrar o ano com variação de 1,6% (frente ao avanço de 4,8% anotado em 2021). A indústria de transformação sofreu recuo de 0,3% nos 12 meses de 2022, depois de sofrer baixa de 1,4% no trimestre final do ano passado. Confirmando o processo de desindustrialização em curso, a fatia do setor de transformação industrial no PIB saiu de 14,7% em 2005 para 11,1% em 2022, levemente acima dos 10,2% alcançados em 2021.
  • “É sabido que o tão almejado objetivo de reindustrializar o Brasil é uma tarefa complexa, que envolve notadamente um processo de modernização e de avanço em atividades de maior intensidade tecnológica, demandando melhoria do nosso ambiente de negócios, com a redução de seus custos sistêmicos, melhor integração mundial e a adoção de estratégias industriais contemporâneas, tal como tem feito o restante do mundo. Estas transformações necessárias, contudo, serão mais rápidas em um contexto de crescimento industrial, algo que mais uma vez não vimos”, avalia o Iedi.
  • Para os economistas Natalia Cotarelli e Matheus Fuck, do Itaú BBA, a desaceleração verificada no trimestre final de 2022 estaria associada “à piora do mercado de trabalho e ao efeito defasado da política monetária contracionista” (quer dizer, pelo impacto dos juros altos na atividade econômica). A expectativa de ambos é de continuidade da tendência de desaceleração, mas antecipam algum suspiro para o primeiro trimestre deste ano, sugerindo avanço de 1,0% frente ao trimestre anterior.