Desafios e riscos a caminho do novo recorde no campo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de novembro de 2022

Sem sustos e solavancos mais severos à frente, há uma boa probabilidade de que o País colha em 2023 uma safra superior a 300,0 milhões de toneladas pela primeira vez em sua história, sob liderança da soja e do milho. A despeito de perspectivas relativamente otimistas, o cenário internacional se tornou um tanto mais nebuloso a partir de setembro, com agravamento do conflito entre Rússia e Ucrânia e acirramento dos atritos geopolíticos envolvendo os Estados Unidos e a China, o que ainda pode trazer impactos para o mercado de grãos e de carnes.

Aqui dentro, os custos insumos mantêm-se ainda muito elevados, embora prevaleça uma tendência de acomodação e mesmo queda nos preços recebidos pelos produtores. Além disso, a rede de armazenagem não tem conseguido acompanhar o avanço da produção e, ao mesmo tempo, a agricultura poderá sofrer intempéries causadas ainda pelo fenômeno climático La Niña, produzido pelo esfriamento das águas superficiais na porção tropical do Oceano Pacífico.

As primeiras estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) antecipam a produção de quase 313,04 milhões de toneladas na safra 2022/23, o que significaria um avanço de 15,5% em relação à colheita anterior ou quase 42,0 milhões de toneladas a mais. A previsão considera uma elevação de 11,9% na produtividade média, para um recorde de 4.075 quilos por hectare, e uma variação próxima a 3,2% na área plantada. Os riscos climáticos, que derrubaram a produção no Sul do País no começo deste ano, fazendo o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio encolher 2,48% no primeiro semestre, segundo acompanhamento conjunto do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não podem ser negligenciados.

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Ajustes ainda?

“Estamos caminhando para o terceiro ano de La Niña, que provavelmente deve ser menos severa, já que vai encontrar o solo com teor maior de umidade. Ainda assim”, pondera Felippe Serigati, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro), “não se deve acreditar que o setor vá conseguir atravessar a safra com produtividade no topo”. Algum ajuste ainda terá que ocorrer e “isso naturalmente vai se refletir nos preços”, avalia ainda.

Balanço

  • “Tudo o mais constante” e desconsiderando o “Imponderável de Almeida”, nas palavras de Serigati, o agronegócio tende a continuar injetando dinamismo nas regiões onde sua presença é predominante, “especialmente se conseguir colocar no mercado toda a produção esperada para o próximo ciclo a preços razoáveis”. Depois de “dois ou três anos de resultados espetaculares”, na descrição de Guilherme Bellotti, do Itaú BBA, as margens de rentabilidade dos principais grãos tendem a retomar níveis históricos na safra 2022/23, mantendo-se ainda positivas.
  • A tendência de arrefecimento nos preços da soja e do milho, com recuos entre 3,3% e de 7,2% na média esperada para o ano agrícola em curso, e custos de produção mais elevados vão derrubar as margens operacionais para algo em torno de R$ 3.438 por hectare no caso da soja e para R$ 2.741 para o milho. A queda em relação ao ciclo 2021/22 tende a ser mais pronunciada para a oleaginosa, numa redução de 39,3%, com o milho anotando baixa de 29,7% na mesma comparação.
  • O custo agrícola, estima Bellotti, chegou a variar entre 38,3% e 35,3% entre a safra em curso e o ano agrícola encerrado em junho deste ano, respectivamente para soja e milho, atingindo, na mesma ordem, R$ 4.827 e R$ 3.851 por hectare. As variações médias, no entanto, não conseguem capturar as pressões enfrentadas no setor de fertilizantes, por exemplo, agravadas pelo conflito no leste europeu.
  • “Os preços quase triplicaram”, relembra Bellotti, acrescentando que o movimento de alta já era observado ainda antes da guerra. Incluindo o frete, a tonelada de fosfato monoamônico (MAP) colocada no navio, sem custos de seguro e de desembarque, havia acumulado alta de praticamente 118% em 12 meses até maio deste ano, atingindo US$ 1.350, com salto de 242,5% para o cloreto de potássio e de 168% para a ureia, com a tonelada chegando a, respectivamente, a US$ 1.250 e US$ 1.100.
  • Os custos dos fertilizantes anotaram acomodação desde lá, mas ainda sustentam níveis bem acima da média das últimas cinco safras, nos dados do Itaú BBA. Na média de outubro, os preços do MAP alcançaram US$ 680, baixando quase 50% desde maio, enquanto a tonelada de potássio caiu 48,0%, para US$ 650, com recuo de 40,0% no caso da ureia, chegando a US$ 660 por tonelada. Na mesma ordem, no entanto, os custos superam os valores médios históricos em 50,2%, 59,0% e 43,6%.
  • A experiência das safras anteriores, quando os preços foram travados mais cedo, em contratos de venda antecipada e de troca por insumos, mas experimentaram altas na sequência, arrisca Bellotti, tem reduzido a velocidade na negociação da safra atual, conforme constata também Luciano Souza, diretor comercial da ADM América Latina. Diante de preços até o momento abaixo dos valores médios alcançados em 2021/22 e insumos mais caros, continua ele, os produtores “aguardam níveis de preços melhores para a soja e milho”, buscando uma relação de troca mais favorável e margens mais próximas daquelas alcançadas em 2021/22. A cautela justifica-se já que, em seu raciocínio, a expectativa de uma colheita recorde tende também a encarecer os fretes internos, “o que poderia comprometer parte da rentabilidade”.