Desmatamento avança em ritmo 29% mais lento em áreas de Cerrado

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 25 de julho de 2024
Desmatamento

Mês a mês, o ritmo do desmatamento em áreas de Cerrado tem registrado queda ao longo da primeira metade deste ano, com exceção de janeiro, quando ainda se registrou maior derrubada de vegetação nativa do que no ano anterior, segundo acompanhamento realizado pelo Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

No fechamento do semestre, o sistema identificou o desmatamento de 347,0 mil hectares na região, o que correspondeu a uma redução de 29% na comparação com os seis primeiros meses do ano passado. A queda foi mais intensa em Goiás, considerando todos os demais Estados cobertos por aquele tipo de vegetação, com perda de 15,0 mil hectares na primeira metade do ano, num tombo do 59% em relação a igual período de 2023.

Ainda que a taxa de desmatamento tenha registrado baixa nos meses iniciais deste ano, ressalva Fernanda Ribeiro, pesquisadora do Ipam, “os números continuam altos, principalmente na região do Matopiba”, fronteira agrícola que cobre o oeste baiano, o sul do Piauí e ainda porções do Maranhão e de Tocantins. Os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam um crescimento de quase 35% na área plantada naquela região nas últimas 10 safras, considerando apenas o plantio de grãos, saindo de 7,373 milhões para 9,948 milhões de hectares (ou seja, em torno de 2,575 milhões a mais).

Continua após a publicidade

O cultivo de grãos em todo o País passou a ocupar ao redor de 79,754 milhões de hectares na safra 2023/24, o que correspondeu a um acréscimo de 22,694 milhões naquele mesmo período, numa variação de quase 40,0% em uma década. Embora responda por 12,5% da área total plantada, o Matopiba contribuiu com 11,35% no crescimento acumulado desde o ciclo 2013/14. Praticamente 59% do aumento na área total, de toda forma, veio das lavouras implantadas no Centro-Oeste, com destaque para soja, milho e algodão.

Na região, onde predomina a vegetação típica de Cerrado, a área avançou de alguma coisa abaixo de 22,070 milhões para pouco mais de 35,388 milhões de hectares, num salto de 60,35%, significando o cultivo de 13,319 milhões de hectares adicionais naqueles 10 anos. Dois terços do crescimento da área no Centro-Oeste foram de responsabilidade de Mato Grosso, com parte do Estado ocupando áreas dentro da Amazônia Legal. Parte dos novos plantios ocorreu em áreas anteriormente destinadas a pastagens, como sugerem alguns institutos. Outra parte resultou da derrubada considerada legal da vegetação original, mas sempre com consequências sobre emissões, correspondendo, além de tudo e de toda forma, a uma redução da cobertura original e à perda de biodiversidade.

Outra parte ocorreu de forma irregular, em afronta à legislação e especialmente ao Código Florestal, em terrenos perfeitamente identificáveis, dados os recursos hoje disponíveis, caso houvesse real interesse das autoridades estaduais em combater a ilegalidade.

Balanço

  • Na visão de Fernanda Ribeiro, ainda não há dados com qualidade necessária para confirmar (ou desautorizar, portanto) a queda na taxa de derrubada da vegetação original na região. “Não podemos afirmar que o desmatamento no Cerrado diminuiu como um todo. Somente após o período do ano com maior atividade agrícola – entre junho e outubro – é que podemos avaliar se o desmatamento no Cerrado realmente teve uma queda em relação aos anos anteriores”, ressalta a pesquisadora.
  • Os dados ainda bastante preliminares apontam que a diminuição no desmatamento ocorreu de forma mais significativa em alguns Estados que haviam se destacado muito negativamente nesta área, a exemplo da Bahia. O Estado chegou a concentrar “alguns dos municípios que mais haviam desmatado em 2023”, segundo a assessoria do Ipam, e anotou redução de 53% no desmatamento durante o primeiro semestre deste ano, na comparação com o mesmo período de 2023.
  • “Apesar da redução, pesquisadoras do IPAM advertem sobre a cobertura de nuvens, que pode dificultar o mapeamento do desmatamento no começo do ano, e sobre o calendário agrícola, que tende a acelerar o desmatamento na segunda metade do ano [quando se iniciam as atividades de preparo do solo e plantio da nova safra]”, registra ainda a nota distribuída à imprensa pelo instituto.
  • Os Estados que formam o Matopiba, nos dados do Ipam, derrubaram em torno de 266 mil hectares de Cerrado entre janeiro e junho deste ano, representando 77% de todo desmatamento observado pelo instituto. Mas houve reduções expressivas na taxa de desmatamento. Com 100 mil hectares desmatados, o Maranhão respondeu por 37,6% daquela perda, mas alcançou uma redução de 15% na área derrubada. Em Tocantins, a despeito de uma redução de 14% na mesma comparação, foram perdidos em torno de 97 mil hectares (36,5% do total desmatada no Matopiba). O Piauí reduziu o desmate em 23%, para 44 mil hectares.
  • Houve alterações na relação dos municípios incluídos no ano passado entre os que mais desmataram. Entre os 10 com maior desmatamento do Cerrado nos seis primeiros meses deste ano, metade estavam fora da lista em 2023, “enquanto grandes desmatadores, como Jaborandi, Correntina e Barreiras, todos na Bahia, saíram do ranking”.
  • Os 10 maiores, nessa classificação às avessas, desmataram 65 mil hectares, perto de 19% do total derrubado no semestre, todos localizados na região do Matopiba – quatro municípios maranhenses, três em Tocantins, dois na Bahia e o último no Piauí. Fernanda alerta que a entrada de novos municípios na lista “deve acender um alerta para as políticas de combate à perda de vegetação nativa na savana brasileira”.
  • Entre outras razões, acrescenta a pesquisadora, “porque seis dos municípios que mais desmataram o Cerrado na primeira metade de 2024 (Balsas, São Desidério, Mateiros, Mirador, Alto Parnaíba e Paranã) são também alguns dos municípios com maior cobertura de vegetação nativa, ou seja, um possível indicativo de que o desmatamento está avançando para os últimos grandes fragmentos de vegetação no bioma. Isso deixa clara a necessidade de reforçar as políticas de combate e controle ao desmatamento nessas regiões”.
  • Os imóveis rurais registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), além do mais, foram responsáveis por 82% do desmatamento, com a derrubada de 284 mil hectares. Os chamados “vazios fundiários”, sem posse ou mecanismos de governança disponíveis – desmataram os outros 8%. Em torno de 5% do desmatamento no bioma, ou 17,4 mil hectares, ocorreram em unidade de conservação – o que permite uma dupla leitura: a criação de mais unidades tenderia a conter o desmatamento, sob um ponto de vista mais otimista; na contramão, o dado mostraria um ataque deliberado a parques nacionais, estações de conservação e unidades de preservação, indicando a necessidade de reforço a mecanismos de fiscalização.