Desperdício de alimento causa impactos sociais e ambientais

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de agosto de 2022

Os números nem sempre refletem integralmente a realidade por falta de pesquisas mais extensivas e, além do mais, variam conforme a fonte consultada. O dado reconhecido, no entanto, é que as perdas em toda a cadeia da alimentação e seus reflexos sobre o uso de recursos naturais, insumos e emissões de gases do efeito estufa são expressivas e assumem um caráter especialmente cruel num País onde 33,1 milhões de pessoas passam fome e 125,2 milhões, praticamente 58,7% da população, enfrentam algum nível de insegurança alimentas, segundo investigação da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.

O dado mais recente do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, relativo a 2021, considera que o Brasil desperdiça anualmente perto de 60 quilos por habitante, algo como 12,7 milhões de toneladas a se considerar uma população de 212,7 milhões nos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A própria ONU encarrega-se de classificar a informação como de média confiabilidade e, muito provavelmente, subestimada, conforme sugerem outras previsões.

Antônio Gomes, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos, estima o desperdício anual em 128,8 quilos por família, em média, resultando numa perda per capita próxima de 41 quilos por ano, segundo dados de pesquisa recentemente por Gustavo Porcino, pesquisador da Embrapa, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com foco centrado no financiamento de projetos de desenvolvimento tecnológico, ressalta Gomes, agências de fomento não entregam recursos para financiar pesquisas sobre perdas e desperdícios de alimentos.

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Perdas e poluição

Com base em levantamentos realizados pela Embrapa e outros grupos de pesquisa há duas décadas, prossegue Gomes, os níveis de perdas têm se mantido ao redor de 10% no campo, 50% no manuseio e transporte, 30% nas centrais de abastecimento e 10% no varejo e nas residências. “Os impactos são muitos e as perdas resultam em custos ambientais, que incluem a perda da energia e insumos utilizados na fase de produção (água, combustível, adubos, defensivos), na distribuição (embalagens, transporte) e no armazenamento”, afirma ele. “Adicionalmente, os alimentos depositados em aterros sanitários, ou simplesmente descartados no ambiente, produzem metano, gás com efeito estufa 23 vezes mais potente do que dióxido de carbono, aumentando o custo ambiental”, acrescenta Gomes.

Balanço

  • Em trabalho mais recente, Thiago Guilherme Péra, coordenador técnico e pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-Log), da Universidade de São Paulo (USP), mensurou perdas em torno de 1,27% para a produção de milho e de 1,17% no caso da soja, considerando apenas as operações pós-porteira, incluindo “perdas físicas de grãos na logística desde as fazendas, passando por armazéns, terminais ferroviários e hidroviários até chegar aos portos e centros processadores”.
  • Considerando a safra colhida em 2020, aqueles percentuais corresponderiam a quase 2,92 milhões de toneladas de soja e milho, a um custo somado de R$ 4,5 bilhões. “O grande vilão das perdas não é o transporte rodoviário e sim a armazenagem, que foi responsável por mais da metade das perdas nas atividades logística”, registra ainda.
  • Péra ressalta, no entanto, que aquelas perdas, embora inferiores àquelas usualmente mencionadas, não devem ser negligenciadas, principalmente quando se consideram os efeitos “poupadores de recursos” e de “ampliação da disponibilidade” de alimentos e nutrientes caso o desperdício fosse menor. O trabalho realizado pelo pesquisador da Esalq-Log indica o desperdício de 696,0 mil hectares de área plantada, pouco mais de 3,8 bilhões de metros cúbicos de água, em torno de 274,7 mil toneladas de fertilizantes e uma emissão adicional de 95,3 mil toneladas de CO2 em função do consumo de diesel nas operações logísticas – fatores que não entram naquela contabilidade inicial, embora sejam responsáveis por prejuízos ainda mais severos.
  • Numa outra conta, o diretor de programas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Luís Eduardo Rangel, aponta que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que perto de 30% dos alimentos “são perdidos na cadeia entre a colheita e o varejo ou desperdiçados nos domicílios ou serviços de alimentação”. Os indicadores são mais perversos quanto de trata de alimentos mais perecíveis, a exemplo de frutas e hortaliças, acrescenta Rangel. “Verifica-se que as condições de infraestrutura e logística inadequadas contribuem sobremaneira para as perdas e desperdício de alimentos, e que na maioria das vezes as centrais de abastecimento e os varejistas não possuem equipamentos adequados para armazenamento e manutenção da qualidade dos alimentos”, reforça Gomes.
  • Na visão de Rangel, investimentos recentes em manutenção de veículos e no ajuste de equipamentos de transbordo teriam reduzido os níveis de perdas no setor de transporte para menos de 5%. Ele acrescenta que o ministério criou, em setembro do ano passado, o Grupo de Enfrentamento de Perdas e Desperdício de Alimentos com a meta de reduzir perdas e desperdícios de alimentos pela metade até 2030.