Quinta-feira, 28 de março de 2024

Despesas com juros explicam quase 81% do avanço da dívida pública

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de novembro de 2021

Os números do Banco Central (BC) deixam pouca margem para dúvidas e colocam (ou pelo menos deveriam colocar) em maus lençóis o argumento base que tem sustentado, ao longo de décadas, o catastrofismo fiscal alardeado pela campanha ultraconservadora que persegue o desmonte do setor público. O que dizem os porta-vozes do desmanche do Estado? Basicamente, entre outros pontos igualmente questionáveis, dizem que os governos gastam demais, causando desequilíbrios fiscais que impedem o crescimento econômico de longo prazo. A solução, portanto, estaria unicamente no corte de despesas, unicamente para que sobrem recursos para o pagamento de juros – um gasto jamais considerado nas planilhas e modelos dos conservadores ultraliberais.

Mas o excesso suposto de gastos não teria levado o País a uma ciranda de endividamento, com consequências macroeconômicas gravosas, produzindo déficits, inflação, escalada do dólar e outros desajustes? É o que afirma a retórica da “turma do desmanche”. Qual a acurácia dessa suposta constatação supostamente lógica? Muito baixa, como mostram os dados oficiais, divulgados pelo BC e à disposição de qualquer um que se disponha a analisados com alguma isenção. Ao final das contas, os juros altos têm sido a causa principal do crescimento da dívida bruta do governo geral desde sempre (lembrando que o governo geral inclui a União, governos estaduais, prefeituras e estatais).

Entre dezembro de 2010 e setembro deste ano, o saldo daquela dívida subiu de praticamente R$ 2,012 trilhões para algo próximo a R$ 6,940 trilhões, num salto de 145%. Corrigida pelo Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), que acumulou variação de 142,46% naquele período, a dívida aumentou em torno de 42,3% em termos reais. Para comparar, o Produto Interno Bruto (PIB) registrou variação nominal de 115,28% entre 2010, no dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e setembro deste ano, na estimativa do BC, avançando de R$ 3,886 trilhões para R$ 8,366 trilhões, em números arredondados. Esse movimento elevou a relação entre a dívida bruta e PIB de 51,77% para 82,96%.

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A “lógica” do endividamento

Em valores nominais, a dívida registrou um acréscimo de R$ 4,928 trilhões entre dezembro de 2010 e setembro de 2021, o que correspondeu a 58,91% do PIB projetado para setembro deste ano pelo BC. Quer dizer, a variação registada foi maior do que toda a dívida registrada no final de 2010, em termos reais (com o estoque corrigido pelo IGP-M). O dado atualizado mostra uma dívida bruta de R$ 4,877 trilhões em dezembro de 2010, a valores de setembro deste ano. As séries estatísticas do BC trazem também os principais fatores que provocaram o crescimento da dívida ao longo dos anos. Ao longo de todo aquele período, os governos gastaram nada menos do que R$ 3,987 trilhões apenas para fazer frente às despesas com juros de suas dívidas, significando 47,66% do PIB. Os trilhões gastos com juros explicaram, portanto, 80,89% do aumento da dívida naqueles 129 meses. Mais claramente, a ciranda financeira, alimentada por transações com títulos da dívida pública, criou esse circuito retroalimentador da dívida, que cresce quase que exclusivamente para remunerar os donos da grana, como num ciclo vicioso, excludente e concentrador de riquezas.

Balanço

  • As emissões de “dívida nova”, quer dizer, a venda de títulos emitidos pelo Tesouro, somaram R$ 627,812 bilhões entre dezembro de 2010 e setembro deste ano. Esse valor, correspondente a 7,50% do PIB, representa a diferença entre o valor dos títulos vendidos pelo Tesouro e dos papéis recomprados (resgatados) e teve participação de apenas 12,74% na variação sofrida pela dívida bruta no mesmo período.
  • Ajustes cambiais e relacionados à dívida externa, além do reconhecimento de dívidas que ainda não haviam sido chanceladas pelos governos, somaram R$ 313,868 bilhões, respondendo por 6,37% no aumento da dívida total.
  • Naquele mesmo intervalo, o déficit nas contas primárias dos governos, ou seja, a diferença entre receitas e despesas, excluindo-se os gastos com juros, atingiu R$ 944,10 bilhões (11,29% do PIB). O rombo correspondeu a uma fração do aumento registrado pela dívida bruta nos 129 meses considerados aqui. Sua contribuição ficou limitada a 11,29%. Além disso, o déficit primário representou 23,68% de tudo o que os governos gastaram com juros.
  • Se houve uma escalada descontrolada, ela atingiu exatamente a ponta das despesas financeiras por conta da política de juros insanamente altos praticada em todo o período (com um curto intervalo de juros baixos ao longo de nove meses entre 2020 e a primeira metade de março deste ano).
  • Ainda assim, é preciso acrescentar algumas ponderações em relação ao comportamento recente do resultado primário de todo o setor público. Os dois últimos anos do período analisado – 2019 e 2020 – foram responsáveis por 81,0% de todo o rombo do período, em grande parte por conta dos gastos que os governos tiveram que realizar para enfrentar a pandemia no ano passado. Somados os dois exercícios, com déficits de R$ 61,872 bilhões em 2019 e R$ 702,950 bilhões no ano seguinte, o rombo chegou a R$ 764,822 bilhões.
  • Desde que o teto de gastos foi adotado, em 2016, até setembro deste ano, os governos acumularam um déficit primário de R$ 1,125 trilhão – o que significa dizer que, na soma dos anos anteriores (2011 a 2015), restou um superávit de R$ 195,534 bilhões. Mas mesmo esse número ainda não reflete a evolução mais correta daquele resultado, já que os governos amargaram déficits de R$ 32,536 bilhões e de R$ 111,249 bilhões em 2014 e 2015, respectivamente. Isso deixa um saldo positivo acumulado de R$ 295,865 bilhões para os anos restantes (2011 a 2013), numa média anual de R$ 98,622 bilhões (quase 28,5% mais do que o superávit médio anual registrado entre 2002 e 2010).