Distorções persistem no setor de fertilizantes e déficit dispara

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de setembro de 2022

O fertilizante chegou ao campo, a despeito de anormalidades e “perrengues” ocorridos em série nos últimos anos, na descrição de Ricardo Tortorella, diretor executivo, da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), afastando pelo menos por enquanto os temores de que poderia faltar insumo para adubar as lavouras. Mas chegou a um custo muito mais alto. Os preços começaram a subir ainda antes da guerra entre Rússia e Ucrânia, que só agravou o problema. A pandemia, na visão de Tortorella, compartilhada por Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), já havia desarticulado as cadeias de produção e logística, gerando desencontro entre oferta e demanda, que continuou sendo puxada para cima pelo avanço das safras mundiais e pelo consumo crescente de alimentos. Mas não foi acompanhada no mesmo compasso pela produção de nutrientes para as plantas.

As distorções se acirraram com o conflito no leste europeu, impondo novos gargalos ao suprimento global de fertilizantes, que já vinha abalado pelas sanções econômicas impostas à Belarus desde o ano passado. Os preços médios de importação de fertilizantes e de seus insumos intermediários, que já haviam subido 58,9% e 55,1% na saída de 2020 para 2021, respectivamente, mais do que dobraram neste ano. Cotados em dólar, o custo médio dos insumos para fertilizantes saltou 140,4% na comparação entre os primeiros sete meses deste ano e o mesmo período de 2021, com alta de 110,6% para os fertilizantes finais.

As pressões sobre os preços foram agravadas ainda pelo encarecimento dos custos logísticos desde a pandemia, observa Fátima, com falta de navios e contêineres e aumentos ainda para o gás natural liquefeito (GNL), em função da escalada nos preços do petróleo. Este último item afetou a cadeia de produção de fertilizantes nitrogenados, já atingida no Brasil pela paralisação das plantas da Petrobrás.

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Desarticulação

Os preços do GNL no mercado internacional, lembra a diretora da Abiquim, atingiram entre US$ 30 e US$ 35 por milhão de BTU por volta de março e abril deste ano, saindo de apenas US$ 7 a US$ 8 há um ano. “Os valores recuaram para US$ 20 a US$ 25 neste momento, mas continuam altos e impactam o custo do gás importado”, aponta Fátima. O gás do pré-sal poderia solucionar o problema, mas 45% da produção tem sido reinjetada nos poços em função de problemas logísticos e dificuldade de acesso à estrutura de escoamento, segundo ela. “O país não conseguiu até aqui estruturar sua cadeia de produção de fertilizantes e defensivos”, diagnostica ainda.

Balanço

  • No ano passado, os números da Abiquim mostram que a balança comercial do setor de fertilizantes e produtos intermediários fechou com déficit histórico de praticamente US$ 15,4 bilhões, crescendo 91,3% frente ao rombo de pouco mais de US$ 8,0 bilhões em 2020. Entre janeiro e julho deste ano, o déficit aumentou 176,0%, para quase US$ 16,5 bilhões, superando o recorde alcançado nos 12 meses de 2021 como consequência do incremento de 274,6% nas importações por efeito dos preços muito mais elevados. Os volumes importados cresceram, por sua vez, apenas 15,9%, de 21,3 milhões para menos de 24,7 milhões de toneladas.
  • Situações de crise, a exemplo do que tem ocorrido durante a pandemia e na sequência da guerra, ressalta Tortorella, “expõem de forma mais evidente nossa vulnerabilidade. Temos os insumos e poderíamos reduzir a dependência, mas continua sendo mais barato trazer fertilizantes da Rússia”, avalia ele. Os volumes entregues pela indústria cresceram em torno de 13,1% no ano passado, alcançando o recorde de quase 45,9 milhões de toneladas, nos dados da Anda.
  • Para este ano, o custo mais elevado teria estimulado a postergação das compras pelos produtores, na avaliação de Tortorella. “A Anda não faz projeções, mas as consultorias que atuam no setor têm trabalhado com números entre 42,0 milhões e 45,0 milhões de toneladas”, sugere ele. Segundo Thiago Michelletti, da área de inteligência de mercado da CMOC Brasil, “as previsões mencionadas por consultorias e clientes variam entre 41,5 milhões e 42,0 milhões de toneladas”. De toda forma, seria o segundo melhor ano na história do setor.
  • A multinacional chinesa, de acordo com Michelletti, deve manter neste ano a produção de rocha fosfática na faixa de 1,4 milhão de toneladas, preservando a produção de fertilizantes e de ácido fosfórico em 1,15 milhão e 270 mil toneladas respectivamente. A empresa, adianta Eduardo Lima, diretor de assuntos corporativos, mantêm direitos minerários sobre áreas próximas ao complexo de Catalão (GO), onde fica a mina explorada pela companhia, com potencial identificado para a extração de rocha fosfática com alto teor e qualidade. Trata-se de um projeto para três a quatro anos adiante, pondera Lima, já que a mineradora está concentrada, atualmente, em extrair mais valor da operação atual, com otimização e ganhos de eficiência. Nesse processo, o percentual de recuperação metalúrgica de fosfato da rocha elevou-se de 61% a 62% para 69% neste ano.