Dívida ampliada das famílias supera 35% do PIB e atinge 51,3% da renda

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de março de 2023

O endividamento das famílias prosseguia em alta no primeiro mês deste ano, numa tendência já observada desde a metade final de 2019, agravada ao longo da pandemia e acelerada a partir do ano passado com a escalada das taxas de juros, respondendo à política de arrocho monetário adotada pelo Banco Central (BC). Os dados preliminares da autoridade monetária mostram que o chamado “crédito ampliado” contratado pelas famílias cresceu 1,52% na passagem de dezembro do ano passado para janeiro deste ano, com alta acumulada de 17,78% frente ao primeiro mês do ano passado. Na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB), soma das riquezas produzidas pelo País, a “dívida ampliada” avançou de 34,6% em janeiro de 2022 para 35,1% em igual mês deste ano.

Essa modalidade de crédito contempla empréstimos e financiamentos bancários, dívidas no cartão de crédito e outras formas de financiamento oferecidas pelo sistema financeiro, a exemplo do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além de empréstimos tomados fora do País. Em valores nominais, o saldo do crédito amplo contratado pelas famílias avançou de R$ 2,958 trilhões para R$ 3,432 trilhões entre janeiro e dezembro do ano passado, atingindo R$ 3,484 trilhões em janeiro deste ano.

O dado preocupante é que a dívida passou a crescer em velocidade muito maior do que o avanço registrado pela renda familiar nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a escalada dos juros passou a obrigar as famílias a destinar fatias crescentes de seu orçamento mensal para enfrentar as despesas geradas pelo serviço da dívida, quer dizer, pelo pagamento de “prestações” (amortizações), juros e outros encargos financeiros. No dado mais recente divulgado pelo BC, referente ainda a dezembro do ano passado, a renda nacional disponível bruta das famílias havia somado R$ 6,692 trilhões, o que significa dizer que a dívida ampliada passou a representar 51,28% de todos os rendimentos recebidos ao longo de 2022 – a fatia mais elevada da série histórica do BC, iniciada em 2013.

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Descolamento

O histórico daqueles dados mostra o descolamento entre dívida e renda ao longo de todo aquele período, mas destacadamente entre 2019 e 2022, em parte por conta da pandemia, que paralisou a economia momentaneamente, obrigando empresas e famílias a se endividarem, mas também sob pressão, como já anotado, da alta dos juros. Entre 2013 e 2016, o saldo da dívida anotou variação nominal de 27,01%, passando de pouco mais de R$ 1,370 trilhão para quase R$ 1,741 trilhão. Como proporção do PIB, o crédito ampliado das famílias avançou perto de dois pontos percentuais, saindo de 25,71% para 27,7%. De 2016 para 2019, o estoque da dívida manteve praticamente o mesmo ritmo, crescendo 27,15%, para R$ 2,213 trilhões, perto de 29,95% do PIB. O ritmo de crescimento da renda disponível desacelerou, com variação de 18,89% entre 2016 e 2019, atingindo algo próximo a R$ 5,236 trilhões. A comparação entre 2019 e 2022 mostra um salto de 55,06% para a dívida e elevação de 27,80% para a renda.

Balanço

  • A relação entre dívida e renda, que chegou a ser de 38,60% em 2013, havia superado ligeiramente 40,4% em 2015 e recuou, também levemente, para 39,52% em 2016. E baixou um pouco mais, para 39,09%, em 2017. Mas já havia alcançado 42,27% ao final de 2019. Na sequência da pandemia, já em 2021, a dívida das famílias passou a representar 50,82% de sua renda, relação elevada para o recorde de 51,28% ao final do ano passado. Em todo o período considerado, que dizer, de 2013 a 2022, o saldo devedor saltou duas vezes e meia (num aumento de 150,41% mais precisamente). A renda disponível bruta, por sua vez, apresentou crescimento acumulado de 88,49% no mesmo período, também em valores não atualizados com base na inflação.
  • A valores de dezembro do ano passado, corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a dívida cresceu 46,2% frente a uma variação real de pouco mais de 10,0% acumulada pela renda disponível.
  • Apenas para deixar claro, o conceito de renda nacional disponível inclui os salários pagos aos trabalhadores, dividendos e outras rendas recebidos por donos de empresas, rendimentos de aluguéis, juros e demais rendimentos de aplicações financeiras, aposentadorias, pensões e benefícios do sistema nacional de assistência social, como os benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia e Bolsa Família, além de transferências eventuais de renda, a exemplo do auxílio emergencial pago em 2020 e em parte de 2021.
  • Depois de somar todos aqueles valores, o BC desconta os valores pagos pelas famílias a título de imposto de renda e impostos sobre o patrimônio (como IPTU e ITR), as contribuições para a Previdência e transferências de renda feitas pelas famílias para outras instituições e para fora do Brasil.
  • No ano passado, diante das medidas de caráter mais eleitoreiro adotadas pelo desgoverno encerrado em 31 de dezembro, com pagamento de auxílios a diversos setores da economia e aumento dos benefícios assegurados pelo então Auxílio Brasil, a renda nacional disponível registrou variação de 16,06% frente a 2021, o que correspondeu a um incremento real de aproximadamente 8,90%. No acumulado em 12 meses, em valores nominais, a renda passou de R$ 5,766 trilhões para R$ 6,692 trilhões. Para comparação, em 2020, a renda havia registrado elevação de 7,42%, o que ajuda a reforçar a dimensão do pacote de medidas eleitoreiras aprovadas em 2022.