Coluna

Dívida cresce mais que renda das famílias neste ano

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 26 de setembro de 2019

A
queda nos juros básicos até aqui não trouxe alívio maior para o orçamento das
famílias brasileiras. Pelo contrário, as estatísticas do Banco Central (BC)
mostram nitidamente uma inversão da tendência observada a partir do final da
recessão, já no trimestre derradeiro de 2016, quando o serviço da dívida (juros
e amortizações) passou a apresentar taxas de crescimento menores do que o
incremento observado para a renda total disponível das famílias – mesmo num
ambiente de juros mais do que salgados.

Ao
longo deste ano, a reversão daquela tendência, resultado da combinação de taxas
de crescimento bem mais modestas para o total de rendimentos recebidos pelas
famílias e de alta nas prestações devidas aos bancos, pode trazer de volta o
fantasma da inadimplência, o que complicaria o cenário adiante para a economia,
que já não tem crescido o suficiente para criar empregos para todos os
trabalhadores e para manter ocupadas as máquinas na indústria.

O
conceito mais amplo adotado pelo Banco Central (BC) para estimar a massa
salarial (a soma de todos os rendimentos recebidos pelos trabalhadores e suas
famílias) inclui, além dos salários, aposentadorias e pensões da Previdência,
transferências de renda por meio de programas sociais como Bolsa Família e
benefícios de prestação continuada, destinados a idosos e pessoas com
deficiência de baixa renda, e desconta o pagamento na fonte do Imposto de Renda
e o recolhimento de contribuições à mesma Previdência. O que sobra corresponde
a toda a renda que as famílias terão disponível para o consumo e,
duvidosamente, para investimentos.

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Assim
medida, a massa salarial ampla disponível, no jargão adotado pelo BC, passou a
crescer a uma taxa anual de 4,89% até julho (considerando o período de 12 meses
até lá comparado com os 12 meses imediatamente anteriores). Entre 2015 e 2016,
apenas para comparação, a renda vinha crescendo a taxas anuais próximas ou
superiores a 10%. Nos 12 meses até julho de 2018, o avanço chegou a 5,54% em
valores nominais (sem descontar a inflação do período). Mas o serviço da dívida
– a soma dos juros e das amortizações devidas – entrou em fase mais acelerada
de crescimento, num período em que o BC (finalmente) decidiu reduzir os juros
básicos.

Ritmo passado

Em
2017 e 2018, sempre no acumulado em 12 meses até julho, o serviço da dívida
contratada pelas famílias para financiar a casa própria ou para compra de bens
duráveis de maior valor (televisões da moda, automóveis, motos e outros
equipamentos e utensílios domésticos) avançou ridiculamente, com variações de
0,42% e de 1,58% em cada um daqueles anos, enquanto a renda subia 7,37% e
5,54%, fazendo a inadimplência declinar mesmo com a economia crescendo muito
pouco. O baixo crescimento do crédito, em estado de virtual letargia (até
porque as famílias vinham de um período de alto endividamento”, contribuiu para
esse processo.

Balanço

·  
Entre
agosto de 2018 e julho deste ano, na comparação com os 12 meses imediatamente
anteriores, a massa de rendimentos das famílias avançou de R$ 3,149 trilhões
para R$ 3,303 trilhões, chegando àquela taxa de 4,89% de crescimento.

·  
Mas
o serviço da dívida cresceu 8,03%. As famílias gastaram algo como R$ 681,45
bilhões para pagar juros e “prestações” da dívida levantada nos bancos, algo
como 20,63% de toda a renda disponível. Nos 12 meses anteriores, quer dizer,
entre agosto de 2017 e julho de 2018, o serviço da dívida havia consumido 20,0%
da renda disponível, algo como R$ 630,81 bilhões.

·  
O
comprometimento da renda (ou seja, a parcela dos rendimentos familiares
destinados ao pagamento de juros e amortizações) não voltou aos níveis
observados no auge da crise, quando as famílias tiveram que destinar quase
22,6% de sua renda apenas para honrar compromissos bancários.Ainda
assim, o peso maior desses compromissos sobre a renda reduz, por óbvio, a fatia
disponível e que poderia ser destinada a outros gastos, deixando de movimentar
o consumo e as vendas.

·  
A
inadimplência mantém-se em níveis inferiores aos observados em 2018, mas
experimenta tendência de elevação entre oscilações para baixo e para cima desde
o início de 2019. No geral, a taxa dos compromissos com atrasos acima de 90
dias saiu de 4,22% em agosto do ano passado para 3,85% em dezembro, avançando
para 3,99% em agosto de 2019 (a mais elevada em quase 12 meses). O recorde
recente havia sido alcançado em maio de 2017, quando a inadimplência
representou 5,94% de todas as operações de empréstimo e financiamento
realizadas pelo setor financeiro a taxas livremente negociadas entre
contratantes e os bancos.

O percentual dos empréstimos com prestações
atrasadas entre 15 e 90 dias saiu de 3,52% em agosto para 3,34% em dezembro,
subiu até 3,74% em julho e atingiu 3,64% em agosto. Mantida a tendência, as
taxas de inadimplência ainda poderão experimentar alguma variação para cima nos
meses seguintes.