Dívida da indústria cresce e caixa deixa de cobrir despesa financeira

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de setembro de 2023

O encarecimento do crédito nos últimos dois anos, sequer amenizada pelo recuo de meio ponto percentual definido no início de agosto deste ano, e a perda de fôlego da atividade econômica especialmente no setor industrial produziram um aumento nos níveis de endividamento da indústria no começo deste ano. Entre outros efeitos, segundo estudo realizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o endividamento mais alto, num cenário de taxas de juros extremamente salgadas, gerou um aumento das despesas financeiras num ritmo mais intenso do que a capacidade das empresas do setor de gerar caixa.

O levantamento do instituto, que cobre o período entre 2019 e primeiro trimestre deste ano, envolvendo os dados financeiros e contábeis de 114 indústrias, com exclusão de Petrobrás, Vale, Braskem e Suzano, mostra que o caixa gerado no primeiro trimestre deste ano cobriu 90% das despesas financeiras. A geração de caixa aqui é definida pelo retorno das empresas antes do pagamento de impostos, juros, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês).

A despesa financeira somada daquelas indústrias, em grandes números, ficou em torno de 10% maior do que o Ebitda, o que significa dizer que as empresas do setor tiveram que recorrer a lucros acumulados nos meses anteriores, que deveriam financiar o crescimento futuro daquelas empresas, ou ao mercado, endividando-se um pouco mais, para levantar os recursos restantes para fazer frente a todo o gasto financeiro.

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A dívida bancária de curto e longo prazos da indústria, sempre excluindo as quatro maiores empresas, já que seus dados poderiam distorcer comparações, avançou 22,5% entre o primeiro trimestre do ano passado e o mesmo período do ano passado, subindo de R$ 422,301 bilhões para R$ 517,391 bilhões. O perfil do endividamento não sofreu deterioração mais grave porque a dívida de curto prazo, com vencimento em até 12 meses, manteve quase a mesma participação anterior, até mesmo com algum recuo. Na comparação entre os dois primeiros trimestre de cada ano, a dívida de curto prazo avançou 18,7%, saindo de R$ 75,669 bilhões para R$ 89,843 bilhões. Mas a relação com a dívida total recuou de 17,9% para pouco menos de 17,4%.

Longo prazo

Já a dívida de longo prazo avançou em ritmo mais acelerado ao passar de R$ 346,632 bilhões para R$ 427,549 bilhões, num aumento de 23,3%. Sua participação no endividamento total chegou a 82,6% diante de alguma coisa abaixo de 82,1% no primeiro trimestre do ano passado. Essa relação torna a situação de endividamento menos problemática, já que a maior parcela das dívidas terá vencimento a prazos mais largos, dando fôlego às empresas diante da expectativa de redução do custo do crédito, ainda que numa velocidade muito aquém da necessária para de fato dar sustentação a perspectivas mais favoráveis para a atividade econômica no curto e no médio prazos.

Balanço

  • Ainda de acordo com o trabalho do Iedi, o endividamento da indústria (sem Petrobrás, Vale, Braskem e Suzano) passou a corresponder a 87,4% do capital próprio da indústria, o que se compara com 69,2% no primeiro trimestre do ano passado. Essa relação veio crescendo desde o começo do ano passado, quando se considera que o tamanho da dívida chegou a dezembro do ano passado a 84,5% do capital próprio das empresas.
  • A situação fica um pouco mais complicada quando se considera que o conceito de endividamento contempla dívidas exclusivamente bancárias, já descontado o caixa das empresas, quer dizer, o endividamento oneroso líquido, conforme sublinha o Iedi. A dívida onerosa, portanto, passou a comprometer a maior parte do patrimônio líquido da indústria, que corresponde, por sua vez, aos recursos que as empresas e seus acionistas têm à sua disposição para realizar investimentos e promover o crescimento futuro do negócio.
  • O avanço da dívida e, portanto, dos gastos gerados pelos empréstimos e financiamentos contratados, num no cenário de juros muito elevados, dada a inflação observada (e deflação, quer dizer, queda dos preços industriais), produziram uma elevação na relação de despesas financeiras e a receita operacional do setor industrial, para 3,9% no primeiro trimestre deste ano. Esse percentual havia atingido 2,7% no mesmo período do ano passado.
  • Não por coincidência, na mesma comparação, a margem líquida (ou seja, a relação entre lucro líquido e a receita líquida) do setor industrial, sem as quatro grandes, despencou de 6,7% para 2,1%. Esse dado permite colocar sob outra perspectiva a relação entre dívida onerosa e receitas. Como se poder denotar, o peso das despesas financeiras passou a ser relativamente maior do que a margem de rentabilidade, sugerindo uma tendência de estrangulamento das empresas do setor, caso o cenário não seja revertido.
  • As expectativas do setor financeiro em relação à próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), apontam para novo corte de meio ponto percentual na taxa básica de juros, que 13,25% para 12,75%. Seguindo o roteiro antecipado pelo próprio Copom em sua reunião de agosto, as reuniões programadas para 31 de outubro e 1º de novembro e par aos dias 12 e 13 de dezembro deveriam incluir mais dois cortes de meio ponto percentual, fazendo os juros básicos recuarem para 11,75% no fechamento do ano – o que ainda corresponderia a uma taxa real de juros de quase 8% ao ano a se considerara a inflação de 3,50% projetada para o mercado em 2024.
  • A equipe de economistas do Itaú BBA acredita que os juros básicos poderiam encerrar este ano em 11,50%, o que exigiria um corte adicional de 0,25 pontos percentuais a ser aplicado na última reunião do ano, com a taxa de redução sendo elevada então para 0,75 pontos. Na visão do banco, “olhando para além da reunião que se aproxima, acreditamos que a dinâmica mais benigna da inflação de serviços, assim como a esperada desaceleração da economia (que deve ficar mais evidente ao longo da segunda metade do ano), devem permitir cortes maiores a partir de dezembro, bem como um ciclo mais profundo”.